Por José Macedo –
“O primeiro direito de um homem é o de não passar fome” (Josué de Castro).
As crises do capitalismo repetem-se e dão causa a que, a cada dia, os trabalhadores tornem-se vítimas e mais vulneráveis, perdendo seus direitos. Apesar da importância de Thomas Morus, quando afirmou: “A população cresce em progressão geométrica e os alimentos em progressão aritmética”, não percebeu o progresso da ciência e as causas internas da produção e da desigual na distribuição dos alimentos. O filósofo e economista, Karl Marx, fez as corretas observações. A questão da fome não se resume à quantidade de alimentos produzidos, mas na indução de erros dos governos na redistribuição dos recursos disponíveis.
No Brasil, esse processo desigual, o da apropriação da riqueza, tem sua origem na Colônia, no acesso à terra e na utilização do trabalho escravo. É comum ouvir: “é preciso que haja concentração de riqueza e de desigualdade, porque servem de dinamismo e impulsionador do crescimento econômico, primeiro crescer o bolo, depois dividí-lo”. O direito, que seria o garantidor da dignidade humana tem sido ineficaz, obriga-nos a reconhecer sua impotência e falência. Os constituintes de 1988 escreveram no preâmbulo da Constituição , no art. 3° , 5°, etc, com o mesmo objetivo, ou seja, o de assegurar o exercício dos direitos sociais, o desenvolvimento, o bem-estar e o acesso à justiça, rezando para que “todos sejam iguais perante a lei”. Foram concessões. Por isso, ao longo desse tempo, esses dispositivos constitucionais deixaram de ser cumpridos. Assim, os donos do capital por seus representantes alegam que a Constituição, um pacto ou um Contrato Social, é obstáculo para a governabilidade. Apesar da Constituição cidadã, desse pacto social, originária de uma Constituinte, cujo escopo foi o de distribuir justiça, 10% dos brasileiros mais ricos apropriam-se da quase totalidade da Renda Nacional; 10,3 milhões de brasileiros passam fome; mais de 44% das famílias rurais têm alguma deficiência nutricional (fonte: IBGE); de cada 05 crianças, uma morre, a causa é a subnutrição ou “doenças da fome” (expressão de Josué de Castro), em seu livro Geografia da Fome. A releitura das obras de Josué de Castro é imprescindível, nos dias de hoje. Quando estudei na Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA, sua leitura era uma exigência. Entre os anos, 2003 e 2013, em função da adoção de políticas públicas, bolsa família, o Fome Zero, investimentos na educação, entre outras iniciativas de inclusão social, o país saiu do Mapa da Fome, segundo estudos da ONU.
Os donos do Capital, os 10% mais ricos, não aceitaram a divisão do bolo produzido. A consequência foi o impedimento, em 2016, de uma presidente, democraticamente, eleita, que pretendia dar continuidade às mudanças, com mais inclusão social. A frustração maior veio com o alerta da ONU, em 2019, o Brasil retorna ao Mapa da Fome, com mais intensidade, aumento do índice de desemprego, a violência, milhões de trabalhadores na informalidade e nas ruas. A chamada flexibilização dos direitos trabalhistas, predominando o negociado sobre o legal é perverso para trabalhador, tornando-o mais vulnerável e desassistidos. As estatísticas são cruéis, o que pode levar, a qualquer momento, a uma convulsão social ou a conflitos difíceis de serem compostos e controlados. Minha conclusão, diante dessas informações é a de que, o brasileiro que come e que está empregado esquece dos milhões que passam fome. Nessas condições, elegeram, em 2018, um ex-capitão de extrema direita, sob a orientação de um banqueiro de militância neoliberal. O número de brasileiros que passam fome aumentou. O fenômeno da Fome perverso não tem como causa a crise sanitária, inicia-se, em 2019.
O atual governo deu prosseguimento com maior profundidade a política do governo Temer, as privatizações, o corte de investimento na educação, a política de reajustes de preços e a desvalorização do Salário Mínimo etc. Assim, não se desincumbiu das funções de Estado e ao contrário, adotou o Estado Mínimo. Enfim, é a crença e a teimosia para a implantação do velho liberalismo com a versão, dita de moderna, o neoliberalismo.
Esse modelo não deu certo em outros países, elevou o índice de desemprego, a fome, a violência e à extrema pobreza.
Quando, estudo o “fenômeno Fome”, leva-me a lembrar do médico brasileiro e pernambucano, Josué de Castro, que presidiu a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), entre 1950-1957. Josué de Castro foi pioneiro, um cientista, deixou uma literatura prodigiosa, estudos sobre a fome, no Brasil e no mundo. Seus livros, Geografia da Fome e Geopolítica da Fome entre outros, foram marcos e alertas para esse fenômeno que é, também, mundial. Seus estudos sobre a fome e deficiências de nutrição têm como fundamento e causa a desigualdade social, retrato da má distribuição da renda. Castro deixou a FAO e fundou a Associação Mundial de Luta Contra a Fome. Seu objetivo foi o de não só alertar o mundo, mas também o de mostrar seus efeitos perversos e perigosos para a vida do ser humano na terra e em sociedade. Josué de Castro foi quem primeiro falou da existência da fome, no Brasil, um tema oculto pelo ufanismo e preconceito do brasileiro. Há poucos meses, o presidente Bolsonaro afirmou não existir fome no Brasil. Para falar da fome não é preciso voltar nossos olhares para outros países ou Continentes, não é preciso voltar nossos olhos para milhares de pessoas, crianças, idosos, mulheres e homens, que migram ou tentam migrar para outros países mais ricos, fugir da fome ou de outro tipo de perseguição. A fome está ao nosso lado, nas ruas, nas favelas e nos bairros mais pobres ou no meio rural de nosso país.
O MST, discriminado, é um exemplo da exclusão de brasileiros, que querem produzir e ter acesso à terra, mas são perseguidos, quando, não são mortos pelos capangas dos latifundiários. A Reforma Agrária é uma reivindicação antiga, seria a solução para a erradicação da fome em nosso país, mas mexeria com a estrutura fundiária e do latifúndio. Por isso, sua discussão é, praticamente, proibida. Com certeza, tiraria da Fome e da miséria milhões de brasileiros. O MST, apesar das perseguições, há 35 anos, é um exemplo de sucesso na produção agrícola de gãos e de outras culturas agrícolas, todos orgânicos, sem o uso de agrotóxico. Em 2017, o MST tornou-se o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Dessa produção, 30% foi exportada para diversos países, incluindo os USA. Ainda, em 2019, em meio à pandemia, o MST prestou serviços relevantes de solidariedade, doou mais de 850 toneladas de alimentos, todos orgânicos e saudáveis, 501 toneladas no Paraná, 65,4 em Santa Catarina e 290 no Rio Grande do Sul. A mídia não divulga essas informações. A distribuição da terra é uma via eficaz e solução para uma sociedade melhor, mais justa e daria também trabalho a outros milhares de excluídos do processo econômico, que, repito, mata milhões de brasileiros, nas grandes cidades e no meio rural.
Para finalizar, trago à nossa memória: o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de grãos do mundo e milhões de brasileiros passam fome, o que é um paradoxo. Ainda, no Brasil, 27 milhões de toneladas de alimentos são jogadas no lixo (fonte: ONU). O lucro e a ganância matam milhões de brasileiros de fome e destroem florestas, bem como, envenenam outros milhões, com excessivo uso, sem controle, de agrotóxicos.
O que importa para o governo é o agronegócio, o aumento da quantidade da produção de alimentos, a exportação, uma balança comercial positiva e o lucro.
JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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