Por Ricardo Cravo Albin –
“Vamos ter réveillon e carnaval sim. E eu me recusarei a usar máscara.” (Prefeito Eduardo Paes, em entrevista há 25 dias.)
O uso permanente de máscaras não é agradável, e muito menos estético. Por isso, exatamente por isso, alguns políticos mais afoitos são sempre os primeiros a encontrar argumentos para diminuir o seu uso, quando não o abolir. Alegam, quase sempre, a integralidade percentual do ciclo vacinal, ou seja, a imunização da maioria da população com duas doses. O escriba que vos dirige essas mal traçadas sempre foi contra qualquer abertura precipitada de cuidados sanitários, o que, confesso agora, vem me rendendo alguns aborrecimentos. Alguns até constrangedores, como “se você é um velho caquético, se isole em casa, mas não estimule que os seus leitores sejam prisioneiros de máscaras e de circular pela cidade ou pela noite. Vamos ter carnaval, réveillon e voltar à vida. A pandemia acabou e fim de papo.”
Não vou gastar meu tempo a analisar o acúmulo de impropriedades ditas pelo meu interlocutor (pessoa, aliás, muito conhecida, mas igualmente reconhecida por alojar acima do pescoço uma cabecinha de minhoca). A não ser talvez com alguma razão ao me mimosear como velho caquético a me preservar sem sair de casa, senão por urgências, munido de álcool em gel em cada bolso da calça. E sempre portando máscara.
O fato é que sou leitor voraz de tudo o que se fala da pandemia, aqui e no exterior.
Venho colecionando dados desde o ano fatídico de 2020, o desabrochar mundial da Grande Peste que já abateu a família brasileira com o número apavorante de mais de 600 mil vítimas. Por esses cuidados de refletir seguidamente sobre a tragédia e escrever sobre ela, a Editora Batel está lançando agora o livro Pandemia e Pandemônio em todas as livrarias da rede Travessa, com recomendações de Nélida Piñon e dos cientistas Margareth Dalcolmo e Jerson Lima.
Comprovem os leitores como tenho razão ao advertir que quaisquer cuidados sanitários têm que prosseguir incentivados sempre e sempre. Por que? Porque comprovei que uma quarta onda de contaminação pode pôr fim ao clima de suposta tranquilidade experimentada pelo Reino Unido, primeiríssimo mundo em todos os níveis, especialmente se comparado ao Brasil.
Isso vem ocorrendo, pasmem, desde que o governo de Boris Johnson suspendeu todas as restrições sanitárias. Resultado? A tragédia voltou com ferocidade insuspeita. Londres contabilizou na última semana quase 50 mil infecções/dia. A prudência e o rigor britânicos já vaticinam que a tragédia pode subir ao patamar de 100 mil infectados no inverno que se aproxima do hemisfério norte.
Nos museus, cinemas, teatros, supermercados e outros ambientes fechados onde o uso de máscaras é apenas recomendado – e atenção, não obrigatório – a maioria das pessoas se sente desobrigada ao uso do artefato. Nos transportes públicos a máscara tampouco é observada. O governo londrino começa a ser apedrejado nas ruas porque tenta evitar a volta das restrições que retardem a normalidade da economia, uma das mais poderosas do mundo.
Esse tipo de intenção governamental também ocorreu por aqui, como todos nos lembramos. Enquanto isso a associação dos funcionários do sistema de saúde pública do Reino Unido está a cobrar rigor nas cautelas para evitar o crescimento de infectados, com o inevitável colapso do sistema hospitalar – filme que já vimos no Brasil há pouco tempo.
A primeira providência londrina recomendada pelos cientistas foi a volta urgente da obrigatoriedade das máscaras, além da recomendação do trabalho remoto e a imposição de um passaporte de vacina.
País consciente e previdente, o Reino determinou a seu corpo de cientistas que proceda medidas urgentes a serem cumpridas à risca pelo governo de sua majestade. Que a economia sofra, mas que os súditos do Reino não mais.
Para Universidade de Leicester o país errou a suspender todas as restrições em julho último. E acrescenta com firmeza em nota – “as máscaras são intrusivas, mas são de algum modo fáceis de usar e manter. As pessoas devem usá-las para se proteger, independente de o governo obrigar seu uso, até por proteção dos demais cidadãos. E de suas próprias famílias.
O Reino Unido, vale recordar aqui, foi o primeiro país a retomar todas as atividades econômicas. Hoje os cidadãos se perguntam nas ruas: valeu mesmo a pena?
As universidades, como a de Oxford, são preferencialmente ouvidas como oráculos por todos os gabinetes, conservadores ou trabalhistas. E pela rainha, com certeza absoluta. A de Oxford constrangeu o Reino Unido ao afirmar ao premier Johnson que a vantagem comparativa obtida pelos britânicos que começaram a se vacinar antes de qualquer outro país, vai se perdendo com o tempo. O fato é que a eficácia do imunizante diminui, o que abre caminhos sinistros para a reinfecções em massa, a partir de outras cepas, que estão sendo ou serão descobertas.
Em resumo, os cientistas concluem, para indignação da nação, que o governo abriu todas as portas cedo demais. E recomendam acidamente: “Os cuidados rigorosos ainda serão pouco. A pandemia não acabou. E todos, queiram ou não, temos que entender essa dolorosa verdade.”
Que isso nos sirva de exemplo…
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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