Por Kakay –
“A verdade é inconvertível, a malícia pode atacá-la, a ignorância pode zombar dela, mas, no fim, lá está ela“.
–Winston Churchill.
Está sendo muito interessante, emocionante até, acompanhar a cobertura de boa parte da mídia do julgamento em Londres sobre o crime ocorrido há 9 anos e que resultou na maior catástrofe ecológica do mundo. A tragédia de Mariana não foi um acidente. Foi um ato criminoso.
Claro que sempre haverá, na imprensa, quem represente os interesses das mineradoras. Elas são fortíssimas, e gastar com a mídia é muito mais barato do que indenizar as vítimas e reparar o mal causado ao meio ambiente. A gente, infelizmente, sabe que faz parte do jogo.
Algumas questões de fundo independem de conhecimento jurídico para quem está acompanhando o processo. Perguntas que devem ser respondidas, ou que ficarão como espadas nas nossas cabeças:
Por que, em 9 anos, as vítimas não foram, devidamente, indenizadas?
Os danos são inquestionáveis e, evidentemente, não há dúvidas sobre eles. Da mesma maneira, há um consenso no sentido da necessidade da reparação. É fato que 19 pessoas morreram, que as famílias perderam casas, plantações e acesso ao rio que significava quase tudo: vida, sustento, lazer, culto, magia e história. Foram despejados 43,8 milhões de m³ de rejeito no meio ambiente.
Famílias ribeirinhas viram suas vidas serem levadas junto à lama. Os quilombolas e as populações originárias foram tragadas pela violência do rompimento criminoso da barragem. Até hoje, os efeitos se estendem e acompanharão esses cidadãos brasileiros por todo o sempre.
Porque, depois de todos esses anos, anuncia-se, exatamente quando começa o julgamento em Londres, um grande acordo entre as mineradoras, os governos Federal, de Minas Gerais e Espírito Santo, sem a presença das vítimas, na mesa de negociações? É também estranho que o Estado da Bahia, diretamente atingido pela lama, inclusive no santuário de Abrolhos, esteja de fora da negociação.
Quem teve o poder de barrar a presença dos representantes de 620 mil atingidos, quais sejam os ribeirinhos, os quilombolas e as populações originárias? Em um governo popular, essa mesa está manca e não para em pé. Como já escrevi anteriormente:
“Naquela mesa estão faltando eles”.
É óbvio que não cabe criticar a opção daquele que sofreu a dimensão da tragédia em receber uma reparação nesse acordo. Quem ficou 9 anos sem ser indenizado poderá, é claro, optar por receber muito menos do que teria direito. Cabe a todos nós respeitarmos. O que não podemos é nos calar diante das questões que não têm respostas:
* seria possível usar a força das mineradoras para obrigar os aderentes ao acordo a desistir do processo na Inglaterra?
• é possível aceitar, sem discutir, pois não estavam à mesa de negociação, valores que foram tramados pelos infratores?
• essa obrigação de renunciar à discussão, de abrir mão do direito à indenização na Inglaterra, não seria imoral e significaria o abuso da força contra aquele que ficou 9 anos sem sequer ser chamado à mesa de negociação?
Não queremos, obviamente, atrapalhar o recebimento de qualquer montante por parte dos que foram solenemente desprezados, especialmente pelas mineradoras. Porém, cuidar de alertar que não pode haver abuso por parte dos causadores diretos da tragédia e nem dos Estados que se beneficiam do acordo.
No caso concreto, representamos, com muito orgulho, as associações dos Remanescentes dos Quilombos de Produtores e Produtoras Rurais da Agricultura Familiar da Comunidade Quilombola de São Domingos Sapê do Norte, Conceição Da Barra (ES) e dos Remanescentes dos Quilombos de Produtores Rurais da Agricultura Familiar e Pesqueira da Comunidade Morro Da Onça – Sapê do Norte, Conceição da Barra (ES). Por isso, não podemos admitir que, depois de serem tragados pela lama e pela água, sejam, agora, atingidos pela prepotência do poder econômico.
Imagine a hipótese, desumana, de uma estratégia de não fazer o acordo, por 9 anos, sem sequer sentar à mesa com os verdadeiros representantes dos atingidos e, depois, quando se vislumbra uma luz na ação proposta na Inglaterra, mudar o rumo e fazer um acordo no Brasil, sem discussão com as vítimas e exigir que abram mão do direito que será decidido na Inglaterra. Isso sim é dar um drible na soberania nacional. Isso sim é desprezar o Poder Judiciário brasileiro.
Não estamos falando da manobra odiosa só em relação às vítimas, pois elas nunca foram levadas em consideração. Salvo agora, como estratégia para diminuir o prejuízo. Mas é um verdadeiro acinte à própria soberania nacional. O acesso à Justiça deve ser tratado como um direito indisponível no caso concreto. Afinal, as vítimas não foram ouvidas e estão sendo levadas a aderir. Lamentável.
Remeto-me à oração do mestre Roberto Lyra Filho, que ele fez para meu convite de formatura na UnB (Universidade de Brasília) em 1981:
“Procurai a justiça social e achareis o direito, não como produto entortado pelos interesses e conveniências de privilegiados contra oprimidos, mas na sua fonte legítima: o sufrágio livre e universal do povo, que não reconhece tutores; que abomina as dominações manhosas ou violentas; que produz a riqueza e deve participar, equitativamente, dos seus frutos; que determina a única segurança verdadeira, com base no exercício da liberdade coletiva e no respeito às garantias individuais”.
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 67 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.
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