Por José Macedo

Reminiscências saltam aos olhos, quando, vejo a escultura de Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008).

Quem chega à Praça do Bairro Rio Vermelho, em Salvador, em frente à Orla, próximo ao conhecido, acarajé da Cira, pode ver essa escultura, Jorge Amado e Zélia Gattai, sentados em um banco, admirando o mar, numa demonstração de que, estão em paz e sabiam usufruir da tranquilidade, própria da Baía de Todos os Santos.

O casal foi residente em uma casa do bairro, na Rua Alagoinhas, hoje, transformada em museu.

Quando, passo pelo local, lembro-me de fatos, por mim vividos, passa-me à frente um rápido filme.

Por isso, narro-o, na expectativa de que seja útil, haja interesse, considerando a importância literária e política do Jorge Amado e, também, da Zélia Gattai.

Jorge Amado foi ativista político e deputado Federal, eleito por São Paulo, em 1945; filiado no Partido Comunista, foi cassado, em 1948.

Jorge Amado durante comício em 1946. (Arquivo Google)

No Estado Novo, um ferrenho opositor de Getúlio Vargas, ocasião em que foi preso, por 2 vezes e exilado. Na trilogia do livro, “Os Subterrâneos da Liberdade (Ásperos Tempos, Agonia da Noite e Luz no Túnel), detalham as atrocidades do Estado Novo. Mas, entre suas obras o livro Capitães da Areia marcou minha vida e forneceu-me elementos para minha consciência e visão política, até porque foi um dos primeiros livros lidos por mim, com forte conotação social.

Graciliano Ramos, Pablo Neruda, Portinari e Jorge Amado, 1952. (Crédito: Museu Casa de Portinari)

Quando, li esse livro, ainda adolescente, inquietava-me com as contradições sociais, crianças de rua, as desigualdades, a população negra, as prostitutas do Pelourinho (foto abaixo), as palafitas da cidade baixa, nos Alagados, os boias-frias das fazendas, trabalhadores sem direitos, as desigualdades regionais, o Nordeste, muitas vezes, denominado de sangrento. Quando, visitei bairros pobres de Salvador, o mais impactante e marcante foram as residências construídas sobre mangues, as palafitas dos Alagados; os dejetos e o mau cheiro que penetravam nos miseráveis casebres, um choque profundo veio sobre mim. Jamais, essas imagens saíram de minhas reflexões e constantes preocupações. Esses fatos tornaram-se fotos e são lembranças, que serviram de amálgama para minha formação e forte contribuição para a adquirida visão de mundo.

Quando, fiz o vestibular na UFBA, Faculdade de Ciências Econômicas, o tema da dissertação: Falar sobre as desigualdades nacionais, enfatizando a Região Nordeste. Minha reação foi de alegria, era o tema que me deu condição de falar do que sabia com convicção, formada, não só em leituras. Volto a falar de Jorge Amado e do livro Capitães da Areia. Trata-se de um livro, romance de cruel realismo social, história dos meninos de rua, da época, na cidade de Salvador, abandonados, praticamente, nascidos e criados nas ruas de Salvador, sobreviviam de pequenos furtos e da bondade das pessoas. O livro marcou-me, repito, porque, era adolescente e, fui flagrado, lendo-o quando estava em colégio interno.

Baía de Todos os Santos em Salvador, principal cartão postal da capital do estado da Bahia. (Divulgação/Embratur)

O diretor do colégio fez um duro sermão, fui ameaçado de ser expulso, advertido e meu pai foi comunicado “do terrível pecado, praticado por seu filho”.

Jorge Amado e seu legitimo sucessor, João Ubaldo Ribeiro, este meu amigo, deixaram-nos uma rica literatura de viés regional.

João Ubaldo Ribeiro deixou-nos, precocemente, ambos baianos, merecem ser lidos, por todos que desejem adquirir visão realista de mundo, social, regional e histórica.

A maioria dos brasileiros preferem leituras de autores estrangeiros, ignorando sua realidade, embora esses problemas estejam presentes à nossa frente.

Zélia e Jorge no jardim da Casa do Rio Vermelho, hoje um museu. (Crédito: Acervo A Casa do Rio Vermelho)

JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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