Redação

O salão todo decorado com balões e a mesa cheia de doces, foi assim que as famílias foram recepcionadas para a festa de Dia das Crianças antecipada promovida hoje (5) pela Associação da Juventude Armênia. A celebração é realizada para famílias sírias que vieram para o Brasil fugindo da guerra em um salão de uma igreja evangélica na zona leste paulistana.

“É um momento de integração das famílias. É um momento de interação, porque as crianças podem rever a sua cultura, os amigos, estarem juntos. As crianças participam desenhando, falando sobre o futuro, vontades, amor e paz”, explica Ieda Merello, coordenadora do projeto Experimente Nascer de Novo, ação da associação que atende as crianças refugiadas da Síria.

A festa começou com o palhaço fazendo malabarismos, acompanhado por uma banda que dava o clima de tensão aos movimentos mais ousados. Nesse momento, as crianças até se esqueceram das guloseimas e refrigerantes para manter os olhos fixos na apresentação. Os mais velhos filmavam com os celulares o número com bastões em chamas.

Armênios e Sírios

A ideia de atender as famílias vindas da Síria surgiu em 2016, quando começaram a chegar os descendentes de armênios que viviam no país desde que fugiram do massacre promovido pelo então Império Turco-Otomano. “Ouvindo as notícias dos familiares de lá, eu, por ser um filho de imigrantes, [me] tocou fazer um projeto para as crianças”, conta o fundador da associação, Sarkis Karamekian.

“Hoje o que acontece na Síria aconteceu 105 anos atrás, no genocídio armênio praticado pelo Império Turco-Otomano”, compara ao explicar porque se sente tão próximo do drama vivido pelas famílias sírias.

Traumas

As ações são, segundo Karamekian, uma tentativa de reduzir os impactos da guerra nos mais jovens. “A gente coloca pelo menos um pingo de amor no coração da molecada, esperança, alegria e um sorriso que a gente vê neles, depois de tanta tristeza”, diz. Ele conta que até fatos cotidianos podem remeter ao cotidiano de violência vivido por eles. “O temor da bomba. O medo que essas crianças viram. O barulho da sirene de uma ambulância traz trauma para a criança. Ela já sabe que aconteceu alguma desgraça”, comenta.

Atualmente, o projeto atende 260 crianças e continua crescendo. “Cada semana vem novas famílias”, enfatiza Karamekian. Ele encara a ação como forma de agradecer tanto ao povo sírio, que recebeu muitos fugitivos do genocídio armênio, como os próprios brasileiros, que acolheram sua família. “Meu pai veio em 1960 para o Brasil. Veio da cidade de Aleppo para São Paulo. Foi muito bem recebido. Encontrou a paz, a liberdade, construiu a família e o seu trabalho também”, conta.

“Sou brasileira”

Entre as crianças que foram aproveitar a festa está Gawa Aljammal, de 11 anos, que chegou ao Brasil com apenas cinco anos, vinda de Lataquia com a família. Da Síria, ela praticamente não se lembra. “Eu era muito pequena”, justifica. Sem hesitar, diz que considera o Brasil como sua terra. “Eu sou brasileira”, diz determinada.

O coração só balança quando o assunto é comida, o que ela admite ser o seu principal interesse na festa. “Prefiro comida árabe”, revela. Porém, perguntada qual é o seu prato favorito, acaba mencionando uma comida muito popular no Brasil de origem russa: strogonoff de frango.

Em busca de oportunidades

Gawa é a mais velha de quatro irmãos, filhos de Muna Darweesh. Ela conta que a decisão de deixar o país natal foi tomada pensando justamente nas crianças. “Ficávamos com medo porque temos quatro filhos. Tivemos que fugir”, ressalta. Assim, a professora de inglês e o marido, engenheiro naval, fugiram para o Egito.

Dali, acabaram chegando em São Paulo quase por acaso. “Não escolhi. Estava procurando um país sem guerra, seguro”, lembra Muna. “Minha família está na Suíça. Eu não consegui ir porque o caminho é muito perigoso, pelo mar”, explica.

A capital paulista foi escolhida depois de uma pequena pesquisa. “Todo mundo sabe que São Paulo é a cidade das oportunidades. Eu li isso na internet”, acrescenta. Hoje, a família tem um negócio que fornece comida árabe sob encomenda para festas e eventos. Muna lamentou não ter conseguido fazer as unhas antes de vir para a festa, amareladas pelo manuseio da folha de uva, usadas em alguns pratos.

Fonte: Agência Brasil