Por Siro Darlan –

Dia 23 de fevereiro o BABALAWÔ Ivanir dos Santos reuniu em sua casa na Mangueira para um jantar em solidariedade ao ativista de direitos humanos senegalês, residente em Portugal Mamadou Ba mais de duzentas pessoas, entre acadêmicos, ativistas, artistas e o povo da Mangueira e adjacências. O objetivo era prestar solidariedade a Mamadou que está sofrendo processos de lawfare por sua atuação em defesa da diversidade e do direito à livre manifestação do pensamento de negros, LGBTQIA+, judeus, lideranças políticas e outras minorias.

O Professor Mamadou Ba, que vem sendo perseguido em Portugal por conta dos seus posicionamentos antirracistas. Mamadou Ba, luso senegalês, nascido no Senegal e doutorando no Canadá, na Universidade de British Columbia, no Departamento de Gênero, Raça e Justiça Social. Formado em Letras pela Universidade Cheikh Anta Diop, se especializou em Tradução, pela Universidade de Lisboa, e vem atuando, principalmente, como dirigente da ONG SOS Racismo. Em 2021, foi distinguido com o prémio internacional Front Line Defenders, atribuído a ativistas de direitos humanos em risco, pela sua dedicação à luta antirracista.

Mamadou dirige a ONG SOS Racismo. A instituição (1990) tem sido duramente ofendida pelos detratores da democracia em movimentos sociais como o neonazismo e que organizaram, inclusive, uma marcha contra o grupo ativista e contra Mamadou, além de conteúdos violentos e racistas produzidos para mobilização das redes sociais. É importante salientar que o racismo e a xenofobia no continente europeu é uma das tristes realidades vividas por pessoas negras, sejam elas nascidas em países europeus e/ou imigrantes dos países africanos e americanos.

Em 2022, após fortes repercussões do caso de racismo em Portugal envolvendo o filho do ator Bruno Gagliasso e da apresentadora Giovanna Ewbank, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, deliberou uma nota oficial na qual repudia o crime e admitiu que há setores racistas e xenófobos entre seus conterrâneos. O caso não só revela essa faceta do racismo europeu como também mostrou que, assim como acontece no Brasil, que ainda se vive sobre a glorificação do passado colonial, que carrega uma grande dívida histórica com as populações negras que ainda vivem à margem da sociedade devido o racismo estrutural que ainda se faz presente nas relações poder social, econômico, cultural e espiritual.

Mamadou Ba é acusado de difamar o militante neonazi. Tribunais e Ministério Público estão debaixo das críticas dos ativistas antirracistas, que veem no processo mais um passo para a normalização da extrema-direita em Portugal. O juiz Carlos Alexandre precisou de menos de 24 horas para tomar a decisão de levar Mamadou Ba a julgamento por difamação e calúnia do neonazi Mário Machado – com um passado associado a várias organizações políticas e sociais de extrema-direita e com condenações por crimes ligados ao ódio e à violência com motivações racistas.

A origem do processo explica-se em dois parágrafos. No dia 14 de junho de 2020, Mamadou Ba escreveu, no Facebook, um texto em que se insurgia contra os acontecimentos ocorridos apenas quatro dias antes. No dia 10 de junho daquele ano, decorrera uma homenagem para assinalar os 25 anos da morte de Alcindo Monteiro – cidadão português, de origem cabo-verdiana, assassinado no Chiado, em 1995, por militantes da extrema-direita –, mas, à mesma hora, somente a 200 metros de distância, um grupo de neonazis decidira organizar uma ação nacionalista, no largo do Chiado, a qual, entre outros, contou com a presença de João Martins – condenado a 17 anos pelo homicídio de Alcindo.

Na publicação, Mamadou Ba denunciava a provocação e, numa das passagens, lamentava o facto de João Martins passar, todos estes anos, “pelos pingos da chuva do escrutínio público”, longe dos olhares mediáticos, ao contrário do outro parceiro ideológico, Mário Machado, que o autor do texto descreveu como “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo”, quando este era um jovem de 27 anos. De facto, Mário Machado fazia parte do grupo de extrema-direita que, no dia 10 de junho de 1995, se reuniu ao jantar e, noite adentro, decidiu espalhar o terror pelas ruas de Lisboa, agredindo e matando.

O conhecido neonazi acabaria condenado, sim, mas “apenas” por oito crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, pelos quais cumpriria quatro anos e três meses de prisão. O seu nome não seria diretamente mencionado nos factos que resultaram na morte de Alcindo. A cadeia não mudou Mário Machado, que, sem sinais de arrependimento – como, aliás, refere o acórdão de condenação do processo referente aos ataques de 1995 –, se tornaria presença assídua nos tribunais e prisões portugueses. Livre, passou a utilizar como palanque os canais digitais que gere (no Telegram, sobretudo). Mesmo assim, Ministério Público (MP) e o tribunal consideraram que a frase utilizada por Mamadou Ba serve de “forte indício” de o acusado “ter difamado” Mário Machado. “Se acaso o arguido [Mamadou Ba] tiver conhecimento de crimes praticados por Mário Machado, pode denunciá-los num lugar próprio, na polícia ou no MP, mas não pode substituir-se aos tribunais e invocar o direito de liberdade de expressão”, sugeriu Carlos Alexandre, no despacho de pronúncia.

INDIGNAÇÃO E SOLIDARIEDADE

23 de novembro: É preciso falar de Racismo Estrutural!

A decisão fez cerrar fileiras. A acusação a Mamadou Ba, com um longo percurso como ativista antirracista, em Portugal – País que foi a sua casa durante 25 anos, até se mudar, em janeiro de 2022, para Vancouver, Canadá (onde trabalha na Universidade de Colúmbia Britânica) –, gerou uma onda de indignação e de solidariedade. Entre as vozes que se fizeram (e fazem) ouvir, Lúcia Gomes, advogada ligada a movimentos de defesa dos direitos humanos e das mulheres – e que participou no processo da Esquadra de Alfragide –, é uma das mais inconformadas com a decisão. À VISÃO, Lúcia Gomes sublinha que “Mamadou Ba não chamou ‘assassino’ a Mário Machado” e que só poderia ser julgado pelos crimes de difamação e calúnia “no caso de ser visível e notório que tinham sido ditas coisas absolutamente falsas”, ou seja: “que o visado não é neonazi, que não tinha estado naquele local e com aquelas pessoas, no dia 10 de junho de 1995, e que não tinha participado nos acontecimentos daquela noite, no Bairro Alto e Chiado…

Mamadou Ba não mentiu”, realça. A advogada garante que estamos perante “um erro jurídico, do ponto de vista técnico”, uma vez que o acórdão do processo Alcindo Monteiro “aponta Mário Machado como um dos principais arquitetos do que aconteceu naquela noite”. “Não faltam, sequer, indícios de que este homem mantém os mesmos ideais, confirmando que a pena de prisão a que foi sujeito não cumpriu a função de arrependimento e ressocialização”, diz Lúcia Gomes. Entretanto, a onda de apoio a Mamadou Ba ganhou corpo na iniciativa Em Carne e Osso, plataforma que pretende despertar a opinião pública para o processo, ou Chamar os Bois pelos Nomes, como se intitula o manifesto, e que serve de arquivo às manifestações de solidariedade dirigidas ao acusado – Sílvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, foi uma das personalidades que gravaram uma mensagem. Carlos Alexandre não hesitou em pronunciar Mamadou Ba. José Falcão fala de “racismo institucional” de tribunais e do MP.

“PROVA DE RACISMO INSTITUCIONAL”, afirma JOSÉ FALCÃO, fundador e dirigente da SOS Racismo, José Falcão diz que “esta estratégia de a extrema-direita” levar opositores a tribunal “não é nova”, mas lamenta que o MP e os tribunais acompanhem a acusação. “Dar voz à extrema-direita é absurdo. Não faz sentido o Estado português acompanhar queixas destas, não tem pés nem cabeça. E é, sobretudo, a prova de que existe um racismo estrutural e institucional na nossa sociedade”, diz à VISÃO. Falcão acredita que o “peso” dos envolvidos motivou um processo “que não é inocente”: “Houve pessoas que escreveram e disseram coisas muito piores, e nada lhes aconteceu…

É, sem dúvida, uma perseguição aos ativistas antirracistas, de que Mamadou Ba é um dos principais representantes.” O dirigente da SOS Racismo termina confessando temer que deste processo resulte “mais um passo para a normalização da extrema-direita” em Portugal. O julgamento que opõe Mamadou Ba a Mário Machado tem início no dia 11 de abril e já tem audiências agendadas até 10 de maio. A ex-ministra da Justiça, Francisca van Dunem, a diplomata Ana Gomes, o ex-líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, e o deputado e líder do Livre, Rui Tavares, são algumas das testemunhas abonatórias de Mamadou Ba. jsantos@visao.pt Ativista Mamadou Ba vive e trabalha em Vancouver, no Canadá; nas redes sociais, Machado continua a incentivar o preconceito e o ódio racial Machado acusado Neonazi vai a julgamento por incitamento ao ódio e à violência sexual. Nas últimas três décadas, Mário Machado passou (quase) metade da vida em salas de tribunal e em celas de prisões.

O neonazi entrou no radar da Justiça portuguesa em 1995, quando tinha apenas 18 anos, por fazer parte do grupo que, no dia 10 de junho daquele ano, agrediu dezenas de negros no Bairro Alto e no Chiado e assassinou Alcindo Monteiro (crime pelo qual não foi acusado). Cumpridas as penas, Machado não mudou de opinião nem de postura, como facilmente se verifica nas redes sociais – foi, aliás, um diálogo no Twitter a sentá-lo, novamente, no banco dos réus. No dia 17 de fevereiro de 2022, Machado defendeu, no Twitter, “a prostituição forçada das gajas do Bloco [de Esquerda]”, iniciando, a partir desta publicação, um diálogo com outro utilizador, Ricardo Pais (também acusado neste processo), que acrescentou: “[E] as do PCP, MRPP, MAS e PS.”

Machado prosseguiu: “Tudo tipo arrastão.” Por fim, Pais ainda acrescentou que “a Renata Cambra [porta-voz do Movimento Alternativa Socialista] terá tratamento VIP”. Foi, precisamente, Renata Cambra (na foto abaixo) que apresentou queixa. Machado e Pais estão acusados pelo Ministério Público de crimes de discriminação e de incitamento ao ódio e à violência sexual. À VISÃO, a líder do MAS descreve o caso como “um crime contra todas as mulheres, em particular as de esquerda”. O advogado de Machado, José Manuel Castro, não comenta o processo, mas adianta que “não deverá requerer instrução” – saltando diretamente para julgamento.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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