Redação –
Sempre que a queda de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde parece estar prestes a se concretizar, o nome do gaúcho Osmar Terra (MDB) é o primeiro cotado na lista de substitutos. Médico com especialização em saúde perinatal pela Universidade de Brasília (UnB) e mestrado em neurociência pela PUC do Rio Grande do Sul, Osmar Terra tem 70 anos e está no sexto mandato como deputado federal pelo MDB.
Na última sexta-feira, a CNN Brasil divulgou um diálogo entre o emedebista e o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, seu conterrâneo e aliado político, em que ambos defendem a saída de Mandetta. “Eu ajudo, Onyx. E não precisa ser eu o ministro, tem mais gente que pode ser”, disse o deputado.
Grande parte dos especialistas da área da saúde temem pela ida de Terra para o ministério. O deputado, que foi ministro da Cidadania ano passado, tem propagado as mesmas ideias que o presidente sobre o coronavírus: defende o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da doença e o isolamento apenas de idosos e pessoas com doenças preexistentes (o chamado grupo de risco).
A identificação entre os dois hoje indica uma “conversão ideológica” do emedebista. Na década de 1970, enquanto Bolsonaro frequentava o curso da Academia das Agulhas Negras, Terra era um militante político de esquerda, ligado ao Partido Comunista do Brasil. Ambos moravam no Rio.
Líder no movimento estudantil na PUC-Rio, sua esposa (na época, namorada) foi presa e torturada pelo coronel Brilhante Ustra, primeiro militar a ser condenado na Justiça por tortura e um dos ídolos do presidente da República. Depois que Monica Tolipan foi solta, o casal se autoexilou em Buenos Aires, onde Terra trabalhou como médico em regiões carentes e fez cursos relacionados ao marxismo.
Um ano e meio depois, os dois se mudaram para Porto Alegre, onde moraram por pouco tempo. Temendo ser perseguido pela ditadura, o casal migrou para Santa Rosa (RS). Militante sindical da categoria, o então médico ganhou projeção e logo entrou para a política. Deslocou-se para o centro, filiando-se ao MDB.
Na terça (7), dia em que Mandetta admitiu ter limpado as gavetas para deixar o ministério, Osmar Terra negou ter recebido convite de Bolsonaro para assumir o comando do ministério. “É melhor que o ministro Mandetta se afine com o presidente. Acho que não precisa trocar ministro. Não sou candidato. Pode ser qualquer um, se tivesse que trocar. Tem muita gente mais competente do que eu”, disse ele à rádio Bandeirantes.
Em que pesem as negativas, o deputado tem aparecido mais na agenda oficial do presidente do que o próprio ministro da Saúde – um dos fatos que o mantém na bolsa de apostas para o posto. O Congresso em Foco procurou Terra várias vezes para ouvi-lo nesta reportagem. Mas ele preferiu não se manifestar.
Em nota enviada ao jornal Zero Hora, no fim do ano passado, o deputado reclamou de outra matéria, que mostrava como se deu sua mudança de visão da política. “Se esse era o objetivo, qual o problema então de o jornal me perguntar o que me fez dar essa guinada política? Quero dizer que deixei a militância de esquerda há mais de 40 anos porque fui, com o passar dos anos, aprendendo com a vida que as pessoas de boa-fé, que querem honestamente melhorar o mundo, podem ser vítimas de ideias erradas e da manipulação de líderes inescrupulosos”, respondeu.
Carreira política
O primeiro cargo público de Osmar Terra no Executivo foi o de prefeito de Santa Rosa (RS), entre 1993 e 1996. Depois, foi secretário de saúde no governo do Rio Grande do Sul, ministro do Desenvolvimento Social no governo Temer e ministro da Cidadania de Bolsonaro.
A saída de Terra do governo Bolsonaro, 14 meses após o início do mandato, ocorreu por problemas na gestão do programa Bolsa Família e também para reacomodação do ministro Onyx Lorenzoni, fiel aliado do presidente, que vinha sendo criticado pela condução da Casa Civil.
Antes de deixar a pasta da Cidadania, cogitou-se uma embaixada para Terra como prêmio de consolação, porém, como ele teria de renunciar ao mandato de deputado para assumir o cargo, a possibilidade acabou afastada. De volta ao Congresso, chegou a ser cotado para o posto de líder do governo na Câmara, fato que também não se concretizou.
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Como Terra caminhou de ex-ministro da Cidadania para possível futuro ministro da Saúde passa pelas teses que defende para o combate ao coronavírus. Contrariando grande parte da comunidade científica, ele tem feito coro ao presidente Bolsonaro e sustentado posição contrária às medidas de isolamento para combate ao covid-19, que considera exageradas.
Na semana passada, o Twitter chegou a aplicar uma sanção a um post de Terra que contraria as orientações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Com a ação, a mensagem teve alcance reduzido e recebeu um aviso. No tuíte, o deputado havia dito que a quarentena aumenta o número de casos do coronavírus.
Em artigo publicado na segunda-feira (6) na Folha de S.Paulo, intitulado “Medo e coragem”, Terra considerou que o fato de a população estar assustada levou gestores públicos a radicalizar as medidas. Na mesma toada do chefe do Executivo, ele afirma que haverá uma “quebradeira geral” na economia, seguida por desemprego e perda de renda dos trabalhadores.
“Admiro a coragem do presidente de se posicionar contra uma correnteza de pânico, se recusando a pegar carona no medo, pensando no futuro do nosso país”, disse Terra no artigo.
Polêmicas
Além das opiniões controversas a respeito do covid-19, Terra também já expressou visões tidas como retrógradas em relação à política de drogas no Brasil. Alguns adversários o apelidaram de “Osmar Trevas” e de “Osmar Terra Plana”, devido à defesa de argumentos muitas vezes anticientíficos.
No Ministério do Desenvolvimento Social, ainda no governo Michel Temer, Terra defendeu a prevalência da abstinência e das chamadas comunidades terapêuticas como medidas de combate às drogas. Também já se manifestou favorável à internação compulsória de usuários de drogas e é contrário à legalização da cannabis e ao uso medicinal da substância.
Para o cientista político Gabriel Santos Elias, representante da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Osmar Terra é um oponente extremamente difícil de lidar, o que se justifica principalmente pelo negacionismo a que ele se atém.
“Essa característica combina muito com a do Bolsonaro e vai funcionar muito para a estratégia dele de negar fatos para fazer valer sua visão”, analisou Elias.
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A guinada de Terra, do centro para a direita, se aprofundou durante as eleições de 2018. Ministro de Temer, o gaúcho buscou afastamento do então presidente para candidatar-se à reeleição. Reeleito com pouco mais de 86 mil votos, buscou aproximação com figuras-chave do entorno de Bolsonaro, como Onyx Lorenzoni, Eduardo Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão.
Como resultado, conseguiu cavar um espaço no ministério de Bolsonaro, para uma pasta que reunia desenvolvimento social, esporte e cultura. Foi um dos últimos nomes anunciados por Bolsonaro, no fim de novembro de 2018.
Em 2009, um relatório do Departamento Nacional de Auditoria do SUS apontou irregularidades na gestão de Osmar Terra no comando da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul. Segundo a auditoria, alguns estados não estavam fazendo a gestão devida dos recursos federais a eles repassados. No caso do Rio Grande do Sul, em vez de aplicar esses recursos em ações e serviços de saúde pública, o estado estava com altos saldos em conta ano após ano. Parte mínima do repasse federal era destinada às políticas de saúde e o restante era aplicado em CDB e CDI – mecanismos que bancos usam para captar recursos no mercado e ter maior liquidez.
Leia aqui a íntegra da auditoria.
O político negou acesso da equipe de auditoria aos documentos requisitados e ordenou seus subordinados a não liberarem as informações. À época, Terra alegou que estaria havendo uma perseguição política contra ele. No entanto, nenhum dos integrantes da auditoria tinha ou veio a ter cargo político.
Um inquérito por omissão de documentos contra o deputado Osmar Terra chegou a ser aberto no Supremo Tribunal Federal, mas a denúncia foi rejeitada. O relator, ministro Luiz Fux, considerou a acusação “extremamente genérica”.
Leia abaixo o que alegou o deputado federal em 2015: ao explicar o processo ao Congresso em Foco:
“No início de 2009 fiz, como Secretário Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul, uma denúncia ao ministro Temporão [José Gomes Temporão, ministro da Saúde entre 2007 e 2011] do uso do cargo para promoção pessoal e partidária, por parte do então Diretor Nacional do Denasus, gaúcho também. Muito em função disso, fui alvo de uma retaliação deste, com uma auditoria do órgão sob seu comando, feita em plena epidemia da Gripe A. Fizeram uma série de exigências descabidas e direcionadas tentando criar um fato político pré-eleitoral. A principal acusação foi de que o Estado não cumpria os 12% da Emenda 29, e que deixava os recursos federais rendendo juros na conta da Secretaria. Divulgaram suas conclusões na imprensa e nos diversos ramos do Ministério Publico antes que pudéssemos responder formalmente à auditoria. Assim que esclarecemos os fatos, publicamente, a imprensa do Estado divulgou nossa resposta e o Ministério Publico Estadual e o de Contas, do TCE, arquivaram o assunto. O MP Federal encaminhou para Brasília e para o STF investigar, pois o fez no período em que eu já havia reassumido minha vaga na Câmara.”
Mesmo afastado da secretaria de Saúde gaúcha, fontes afirmam que Osmar Terra tentou, por diversas vezes, intervir na pasta, em especial nas diretrizes da política de saúde mental.
Uma das rusgas ocorreu com o atual secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo. O atual número dois de Mandetta foi adjunto de Osmar Terra no governo de Germano Rigotto (MDB), entre 2003 e 2006, e depois assumiu a titularidade da pasta na gestão de Ivo Sartori (MDB), entre 2015 e 2018.
Gabbardo teria sofrido pressões de Osmar Terra e deixado o comando da pasta pouco antes do fim do mandato de Sartori, em razão do desentendimento com o deputado federal.
O Congresso em Foco reitera que está aberto a manifestações do deputado.
Fonte: Congresso em Foco
MAZOLA
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