Por José Carlos de Assis –
Calma. Neste momento não há a mais remota possibilidade de Bolsonaro dar um golpe de Estado. Seus generais são bonecos de pijama e armados, por enquanto, unicamente com o Diário Oficial. Sem ideias, sem planos, sem compromissos reais com o povo, Bolsonaro tem como única arma os meios institucionais do Estado para nomear sua claque, que por sua vez não tem realmente poder algum de agir, pois lhes faltam bases.
O fato é que ele não teve tempo de constituir ou ampliar um braço armado porque os generais da ativa não permitiram que ampliasse indevidamente o acesso civil ao aparato militar em condições legais. Diante disso, e em face da crise que gerou com seus crimes e os crimes de seus filhos e aliados, Bolsonaro apelou para sua maior força: o palhaço de Miami, Olavo de Carvalho, que de lá, com uma retórica burlesca, tenta incendiar as massas.
A única possibilidade dos bolsonaristas darem um golpe é o apoio explícito das Forças Armadas. Mais especificamente, do Exército. Num momento em que acreditei que Bolsonaro poderia realmente dar um golpe apelei para o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, pedindo que se antecipasse e desse um golpe “democrático”, destituindo o poder dominante e entregando de volta o poder institucional a civis.
Era fruto do desespero porque a maioria das pessoas e dos artigos que vinha lendo sustentavam que Bolsonaro daria seu próprio golpe unindo a a base de milicianos, de baixas patentes das Forças Armadas, de policiais militares e civis, e o próprio lumpenzinato para implantar o único projeto de governo que tem, o poder absoluto. Então veio a pandemia do coronavirus. E a pandemia mudou tudo. Despiu o governo de qualquer honra.
Não acredito que os militares da ativa das Forças Armadas se alinhem com o general Heleno, o carniceiro do Haiti – expulso de lá pela ONU por causa de atrocidades com o povo local -, ou com o também haitiano general Braga, fracassado interventor no Rio que deixou em aberto o inquérito sobre o assassinato de Marielle. Os outros generais do Planalto não são diferentes. Tem carreiras . Mas a sujaram ao aceitarem convites para o Ministério Bolsonaro.
Acaso esses generais do Planalto tem poder de fazer alguma coisa contra o povo, inclusive ajudar Bolsonaro em seu projeto ditatorial? Eles tem ligações pessoais com generais da ativa, como é o caso de Heleno e Pujol, mas isso não constitui um juramento de irmandade criminosa. Pujol, ao que eu saiba, não é um assassino. Aparentemente seguirá a lei e as decisões do Congresso Nacional, sem manchar a própria biografia.
Quanto aos outros, que vão bater continência para a bandeira americana. Isso, se Trump concordar em levantar as restrições para entrada nos Estados Unidos de potenciais portadores de um vírus cuja expansão no país Bolsonaro ajudou a favorecer. Do lado dos generais do Planalto, porém, nada se deve temer. Sem a caneta que Bolsonaro lhes deu, não podem fazer outra coisa senão assinar os papéis de sua destituição desonrosa.
E os milicianos? Foram, sim, companheiros próximos de Bolsonaro na campanha, mas hoje são caças mais do que caçados. A própria artilharia do grupo palaciano iniciou a degola deles, como sucedeu recentemente na Bahia. Baixas patentes das Forças Armadas, policiais militares e civis e mesmo o lumpenzinato são uma base objetivamente perdida: a maioria se viu desamparada pelo presidente que elegeram, graças a estupidez da política de Guedes.
Então, de onde vem a ameaça de golpe? Os caminhoneiros, coitados, acreditaram nas promessa de campanha esperando melhorias materiais, mas a obsessão neoliberal da direção vendida da Petrobrás, associando a preços externos os preços internos dos derivados de petróleo, liquidou com a lua de mel com Bolsonaro – de novo pelas mãos de Paulo Guedes, o sustentador em última instância da política de precificação de derivados.
Não haverá, pois, golpe de Bolsonaro. Ele bem que gostaria. Para planos golpistas – e eu não tenho a menor dúvida disso -, não houve tempo de preparação. Foi atropelado pelo Supremo Tribunal Federal e, em menor escala, pelo Congresso. O único aliado que lhe restou na cúpula do poder, Augusto Aras, procurador geral da República, se vier a fazer o que o coração bolsonarista lhe manda, perderá definitivamente a honra e, provavelmente, o cargo.
Os governadores de Estados populosos estão contra Bolsonaro. As Polícias Militares, suas subordinadas, como todo o funcionalismo público, está desapontada ou enfurecida com o governo federal por causa das restrições fiscais que são impostas aos Estados. Num conflito, em que não acredito, partes delas obedecerão a hierarquia do Exército e, outra, a do governo estadual. Nessa situação, e só nessa, haveria guerra civil no país como em 30.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.
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Artigo da FoIha de São PauIo de 28 de maio de 2020: ” A hora do vice-presidente
A gravidade da situação atual não admite outra solução para o país
27.mai.2020 às 23h15
Pedro Dallari
O vice-presidente não é vice-presidente do presidente. É vice-presidente da República. É o que estabelece a Constituição brasileira. Sua eleição é simultânea à do presidente e ambos tomam posse perante o Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição (artigos 77 e 78).
O Poder Executivo é exercido pelo presidente, auxiliado pelos ministros de Estado (artigo 76). Embora sejam eleitos de forma conjunta, em uma mesma chapa, o vice-presidente não é subordinado ao presidente, diferentemente do que ocorre em alguns países em que o presidente nomeia o vice-presidente.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em Brasília – Evaristo Sá – 20.set.19/AFP
A Constituição apenas prevê a possibilidade de o presidente convocar o vice-presidente para auxiliá-lo no desempenho de missões especiais, reservando ao vice-presidente o exercício de atribuições que lhe forem expressamente conferidas por lei complementar (artigo 79, parágrafo único).
Cabe ao vice-presidente substituir o presidente no caso de impedimento ou de sucedê-lo no caso de o cargo ficar vago (artigo 79). E a incapacidade evidente de o atual presidente desempenhar adequadamente as funções inerentes à Presidência impõe a necessidade de sua troca imediata pelo vice-presidente.
A permanência de Jair Bolsonaro na Presidência representa um grave risco para a estabilidade do país. No contexto dramático da pandemia causada pelo novo coronavírus, tem sabotado as orientações de saúde pública de seu próprio governo, contribuindo significativamente para o assustador aumento do número de mortos pela Covid-19.
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Seus ataques sistemáticos às instituições têm fomentado violência política, de que são prova as agressões físicas perpetradas por seus apoiadores a agentes de saúde, jornalistas e fiscais do Ibama, bem como a extrema virulência vocalizada por suas redes de apoio contra juízes, Legislativo, imprensa e todo e qualquer ente que possa ser visto como refratário à pregação e às ações antidemocráticas que patrocina. São condutas que direcionam para o caos social, risco ampliado pelo efeito da inviabilização de medidas de planejamento que minimizem o terrível impacto já sentido na economia e nas condições de vida da população, notadamente os mais vulneráveis.
A ascensão do vice-presidente à Presidência terá que se dar pelas vias constitucionalmente estabelecidas para o afastamento do presidente, com a instauração de processo por crime de responsabilidade (impeachment) ou por infração penal comum (artigo 86). Outra hipótese é a renúncia do presidente.
Hoje, a sustentação política orgânica de Bolsonaro reside fundamentalmente nas lideranças militares que servem ao governo. Essas lideranças, ao cessarem a continuidade de seu respaldo, podem ter papel decisivo para persuadi-lo a se afastar.
Em que pese minha discordância pública com a forma como as Forças Armadas lidam com seu passado, pude atestar, nos sucessivos contatos que mantive com militares no período em que coordenei a Comissão Nacional da Verdade, o compromisso com a ordem constitucional e com atuação voltada à excelência profissional. Sobrevindo o caos social, as Forças Armadas sofrerão as consequências da associação com Bolsonaro, o que não é bom para elas nem para o Brasil.
Tem-se alegado que o vice-presidente, Hamilton Mourão, não deveria ser conduzido à Presidência, pois, também de formação militar, foi eleito com Bolsonaro, com quem compartilhou discurso eleitoral marcado por extremo conservadorismo e desapreço à democracia. Todavia, é ele o vice-presidente, e a ele a Constituição confere a responsabilidade de ocupar o lugar do presidente. Em seu favor, cabe reconhecer que, como vice-presidente, nas poucas oportunidades em que teve atuação pública, pautou-se pela prudência e pela capacidade de mediação, sendo exemplo a eficácia de sua resistência a qualquer aventura bélica em face da crise venezuelana.
O que se deve desejar é que esse padrão seja seguido quando for alçado à Presidência da República.
A gravidade da situação atual não admite outra solução. A cada dia, a demora irá ocasionar mais mortes e mais sofrimento para a população brasileira.
Pedro Dallari
Professor titular de direito internacional do Instituto de Relações Internacionais da USP; foi relator e coordenador da Comissão Nacional da Verdade” > https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/05/a-hora-do-vice-presidente.shtml