Por Ricardo Cravo Albin

“Alguns elevam-se pelo pecado, outros caem pela virtude”. (William Shakespeare)

O Brasil reconhece a Campanha da Fraternidade como um dos símbolos da tolerância, da comiseração e da boa-fé. De elevação, enfim. A Campanha ocorre a cada ano para grupos cristãos no tempo da Quaresma, período de 40 dias que antecede a Páscoa. A deste ano, que acaba de ser lançada pela CNBB (Confederação dos Bispos do Brasil), congrega diversas denominações cristãs com um nobre objetivo, o de valorizar itens materiais e espirituais em comum entre as igrejas. E poder compartilhá-los. Ao lado da CNBB, assina também a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (CONIC). O tema 2021 é Fraternidade e Diálogo: compromisso de amar. E o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez-se uma unidade”.

Rogo a atenção do leitor não afeito aos temas ligados às contribuições religiosas e à fé que em tempos como esses, de aridez, de sofrimentos, de mortes. Enfim de pesadas perplexidades e cobranças ligadas ao pandemônio provocado pela pandemia, a palavra que encima a Campanha, Fraternidade, já alivia e pode provocar um sentimento positivo ante à consternação presumível que todo nós experimentamos.

A Campanha deste ano, uma tradição esperada por todo o cristianismo do Brasil, está voltada, como esclarece o secretário geral da CNBB Dom Joel Amado “ao diálogo para a superação das polarizações e das violências de hoje, em especial no contexto crucial da política e da pandemia de Covid-19”. E acrescenta, ao meu ver com cortantes propriedade e verdade: “O vírus, já tão letal em si mesmo, encontrou aliados na indiferença, no negacionismo, no obscurantíssimo desprezo pela vida. Sejamos portanto aliados na responsabilidade, na lucidez, e na fraternidade.”

O bispo acrescentou que o tema do diálogo não deixa de remeter a uma continuação da Campanha de 2020 sobre cuidados mútuos entre as pessoas. E não se trata, o que é de essência como pensamento virtuoso, de sugerir que todos pensem do mesmo modo. Só para relembrar: a união cristã pela fraternidade já propôs temas desde 2.000 para reflexões e ações, como Dignidade Humana e Paz, Novo Milênio sem Exclusões, Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro, Casa Comum, Nossa Responsabilidade (tratou da defesa do meio ambiente e saneamento básico). Creio que ninguém de boa-fé possa negar esses temas como benefícios humanos para todos nós. Ainda de acordo com a CNBB, a Campanha da Fraternidade tem como objetivo concreto recolher recursos para apoio a projetos sociais de cada tema anual.

Para se ter uma ideia mais precisa, em 2019 o Fundo Nacional de Solidariedade distribuiu R$ 3,8 milhões, atendendo a 230 projetos. O pior (como já se intuía) em 2020 não ocorreu arrecadação, por conta da pandemia.

Eu considero essa Campanha da Solidariedade uma virtude, em face a que alegoricamente listaria como pecados. Ou seja, a outra face da virtude, acontecimentos que nos consternam e nos chocam hoje no Brasil. É o caso da falta de planejamento do Ministério da Saúde em relação à previsão de um dado essencial, quase matemático: a vacinação urgente de uma população de mais de 220 milhões de almas.

Todos sabemos por aqui, autoridades negando ou não, que a pandemia só poderá arrefecer com a vacinação em massa. Por que o governo procedeu com tal lerdeza, gravíssimo pecado, ao não antever o que de fato adviria, a falta de vacinas? Com alta assustadora de mortes, média muito alta de 1.300 por dia no país, nesses últimos meses.

Também pecado grave de administração está o governo priorizar temas supérfluos (ou extremamente polêmicos) como armar o país e seus cidadãos com armas de fogo, ao invés de concentrar pensamento único e prioritário em vaciná-los e defende-los da morte.

Entre tantos disparates e malfeitos que anotei como pecados a se anteporem à virtudes está a pulverização da campanha contra a corrupção empreendida pela Lava jato, acolhida, e o pior, reivindicada pelos políticos e pela PR, com apoio do Presidente, eleito por jurar de pés juntos ser contra a corrupção e suas rimas em “ão”, como o Centrão em especial. Juramento falso, tal como na canção imortal criada por Orlando Silva em 1937: “Um juramento falso/Faz a gente sofrer…/Quando se tem amizade/Sofre-se dor de verdade/Sempre com os olhos fitos na felicidade…”.

O povo brasileiro jamais esperava o pecado do juramento falso de o governo aderir à cadeia de corrupção, e acabar com as Forças Tarefas redentoras. E não me falem em pecadilhos veniais de Moro e dos procuradores, como argumentos para sua extinção. Até porque há gente com ostensiva cara de pau a buscar pelos na superfície de ovos, minimizando a gravíssima pirateação de documentos por hackers, certamente a favor dos comprometidos com alguns acusados de desvio de milhões de dólares.

Em tempo de Quaresma e Páscoa, resta-nos rezar pelo Brasil: vitimado por grosseiro e indesejável destino.


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.