Por João Batista Damasceno –
O curto período para as campanhas eleitorais, e o modo como são feitas, retira do campo das decisões o que realmente interessa aos interesses sociais.
Já se disse e se escreveu que voto é marketing e que o resto é política. O eleitoralismo é marketing. Institutos de pesquisa são contratados para analisar o pensamento médio do eleitorado e o que os candidatos devem dizer, mesmo que não corresponda às suas convicções. Nas eleições deste ano determinados candidatos utilizaram os resultados de pesquisas e a inteligência artificial para formular seus programas de governo. Nem mesmo seus programas foram por eles elaborados. Elegemos representantes que não estão obrigados a cumprir quaisquer das suas propostas de campanha, ainda que registradas ou sejam parte do programa dos respectivos partidos. Um dos pensadores que mais impactaram o pensamento mundial disse no século XIX que o Estado era o gerente dos interesses do capital. Mas hoje o capital já não demanda o gerenciamento pelo Estado. O neoliberalismo dispensa o gerenciamento dos seus interesses pelo Estado, salvo o seu aparato repressivo para conter as condutas dos que são privados dos bens indispensáveis à vida com dignidade.
As nulidades que se apresentam como candidatos, em muitos casos, decorrem do desprezo a que a classe dominante destina aos agentes públicos. Somente o aparato repressivo ainda tem algum valor. Mesmo assim é preciso relembrar que o contingente de agentes privados de segurança no Brasil supera em muito as forças públicas. E mesmo estas, em alguns casos, estão subordinadas a interesses privados, como é o caso do Projeto Segurança Presente no Rio de Janeiro, custeado e controlado pela iniciativa privada. Não analisaremos aqui o papel das forças paramilitares que foram denominadas de “milícias” por uma notável jornalista do Rio de Janeiro. A palavra que antes tinha outro significado hoje designa um tipo de atuação cujo paralelo somente se encontra, no Brasil, nas hordas de cangaceiros que atuavam no Nordeste brasileiro até o advento da Revolução de 30. Milícia é, hoje, uma modalidade de cangaço urbano, com as adaptações aos novos meios de chantagem e extorsão. As milícias e ordenanças do tempo do Brasil Colonial, eram subordinadas aos interesses dominantes. Em si, não eram poder como o são hoje. As milícias, hoje, atuam a partir de dentro do Estado. Não estão à margem dele; em relação a ele não são marginais; são paraestatais.
Mas nem tudo está perdido. A sociedade respira e culturalmente resiste a tempos difíceis. O documentário de Sílvio Tendler, “Brizola, Anotações Para Uma História” estreado na semana passada, levou os expectadores à emoção e à esperança, porque os problemas brasileiros têm solução.
Igualmente o monólogo de Othon Bastos “Não Me Entrego, Não!” e o de Pedro Cardoso, “O Recém-nascido”, ambos em teatros no Shopping da Gávea, nos dão a dimensão de que a cultura pode ser uma fonte inspiradora para que busquemos retomar o destino do Brasil em nossas mãos.
Othon Bastos, com 91 anos, faz um monólogo de uma hora e meia, onde narra sua vida de artista, suas grandezas e suas derrotas. Ao final, para delírio da plateia, conclui em tom vibrante: “Eu não desisto, não!”. Pedro Cardoso, um artista que é a antítese do personagem Agostinho, taxista na série A Grande Família, com rara inteligência e compreensão de seu lugar de classe, encanta, faz rir e chorar. Em seu monólogo, expõe também nossa pluralidade e a contradição do reducionismo identitarista. O identitarismo foi importado dos EUA sob patrocínio da Ford Foundation, da Open Society Foundation, criada por George Soros, e de outras entidades interessadas na difusão do ‘pensamento entreguista’, subordinando os interesses do povo brasileiro ao capital financeiro internacional.
O eleitoralismo, a que sucumbiu a maioria das organizações que se destinam a organizar os seguimentos da opinião pública em plataformas políticas e disputar votos visando a exercer ou influir nas decisões governamentais, reduziu tais entidades ao processo eleitoral, sem a busca da formação de quadros ou formação de bloco de opinião visando à defesa dos interesses dos segmentos sociais a serem representados.
A universalização do voto foi uma bandeira desfraldada pelos trabalhadores no meado do Século XIX, pois sabiam que sem o direito ao voto estavam impedidos de participar ou influenciar na produção das leis que regulamentavam seus interesses. Conquistado o voto para os homens alfabetizados, a luta dos trabalhadores continuou no sentido de diminuir a idade para o alistamento e estendê-lo às mulheres e aos analfabetos. No Brasil o voto universal somente veio com a República, mas para os homens alfabetizados maiores de 21 anos. As mulheres somente adquiriram o direito de voto em 1932 e os analfabetos com a Constituição de 1988. Mas nada disto adianta se os partidos que dizem representar o mundo do trabalho não se dispuserem a – efetivamente – defenderem os interesses do mundo do trabalho. Tal falta de definição clara leva o eleitorado a não distinguir quem defende os interesses do capital, quem efetivamente defende os interesses do mundo do trabalho e quem apenas deseja a oportunidade de enriquecimento fácil. Daí a porta fica aberta para oportunistas e fazedores de palhaçadas.
Tal como Othon Bastos, não podemos desistir, não!
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.
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