Por Sebastião Nery

“Eu sou de 1929, então cheguei em pleno auge do fascismo e foi neste clima que recebi este nome, Benito Mussolini, um operário, trabalhador. Chefiou um movimento revolucionário, tomou o poder (na Itália) em 1922 e se caracterizou naqueles primeiros anos por uma série de realizações que repercutiram no mundo todo.O abraço real ao nazifascismo veio depois que se aliou ao Hitler.Depois da guerra tive problemas, tinha que explicar este nome, naqueles dias em que italianos, alemães e japoneses estavam sendo agarrados na rua e havia inclusive muita violência.

Também fui um jovem fascista. Lia biografias de Hitler, Mussolini, lia muito Nietzsche. Isso em 1946 para 1947. Naquele tempo, estava se passando o julgamento de Nuremberg, os líderes alemães presos estavam sendo julgados e sucessivamente enforcados. Passou o filme aqui e fui ao Cine Glória, na avenida Afonso Pena, que era o cinema mais popular de Belo Horizonte. Na hora da sentença,dei uns berros: – “Abaixo os Estados Unidos!, Viva a Alemanha!”. Quase fui linchado. Isso sem que ninguém soubesse o meu nome … Se eles soubessem, eu não estaria aqui”!

EM 1945

– “Tinha comunista para todo lado, fazendo a  maior arruaça e galvanizando o entusiasmo de todo mundo. O Partido Comunista, de repente, tinha um milhão de pessoas e eu pensando em formar grupos para combater os comunistas na rua.Morava numa pensão de estudantes na rua Espírito Santo. O País recém-saído da ditadura de Vargas, que durou 15 anos, então eleições, debate, PC, marxismo, imperialismo, tudo fervendo.

Havia um quintanista de Direito, dirigente do Partido (Comunista). Ele já tinha lido muita coisa de que eu nem tinha notícia e me ganhou todas com aquela dialética do marxismo, porque realmente são irrespondíveis: a luta de classes, o imperialismo, o regime capitalista e o povo. Eu fiquei perplexo no meio de todo mundo ali. Meus amigos ficaram murchos, derrotados comigo, inclusive meu amigo Dirceu Mourthé, que era companheiro de quarto e veio a ser comunista também.

Então eu falei com o Paulo Bezamat : – “Você me arranja esses livros emprestados? Vou ler e vamos voltar ao assunto”. Me emprestou. Comecei a ler, fui logo sendo arrebatado. Eu tinha um empreguinho que larguei para lá, larguei as aulas. O Dirceu falava: “Benito, você vai comer  livro?! Você vai morrer! Tem que parar pelo menos para comer!”.E eu lendo,  lendo, completamente alucinado.A dialética do Lenin é simplesmente irresistível”.

REVOLUCIONÁRIO

– “Então eu me entreguei totalmente, me profissionalizei como agitador de massa. E comecei a ter dificuldade em aparecer, porque houve vários conflitos, choques de rua. Na Praça Sete, depois de uma pancadaria, um choque de grupos, de repente eu me vi sozinho, uma multidão querendo me linchar. Eu estava armado, saquei da arma para me defender. Os jornais diziam: – “Bolchevista de arma na mão”. Com isso e mais as minhas inclinações aventureiras, fui fazer revolução no Nordeste, Fui para a Bahia, pelo Rio São Francisco, e por lá fiquei. A Bahia era muito pobre naquele tempo, uma miséria. Pelo menos onde eu estava, no meu meio de povo, de gente pobre, uma refeição por dia: um cafezinho de manhã e um almoço.

Maria Reis, uma espécie de mãe preta que eu tinha lá, militante do Partido, falou: – “Esse menino vai morrer se continuar desse jeito, eu vou cuidar dele”. Aí fui para a pensão dela, na Baixa do Sapateiro. Os hóspedes logo descobriram que aquele cara, magro daquele jeito, com tosse, em tratamento, só podia estar tuberculoso. Eu tinha de me esconder dos hóspedes e, ao mesmo tempo, da polícia, porque era procurado”.

ESCRITOR

Essa historia fascinante desaguou no primeiro romance – “Plataforma Vazia” (1962), premiado, saudado por Guimarães Rosa (“Excelente escritor. Traz coisa autêntica, nova e própria. Desde a pagina inicial carrega muitas belezas, em linguagem ótima e estilo forte. Entusiasmou-me de verdade”) e por Jorge Amado (“Romancista de talento e de autentica vocação”).

Depois vieram “Capela dos Homens” (1968), “Mutirão para Matar” (1974), “Cafaia” (1975), todos premiados, compondo a tetralogia “Os Guaianãs”. E, afinal, a obra-prima : – “Saga do Caminho Novo” em quatro volumes, a historia da Inconfidência como nunca se contou antes e já saiu clássica : “Os Idos de Maio” (2009), Bardos e Viúvas” (2010), “Toque de Silencio em Vila Rica” (2011),“Despojos:a Festa da Morte da Corte”(2012).

Para celebrar o cinquentenário do primeiro romance, filhos e netos de Benito, uma família literária e gráfica (a musa Irá, o editor Vinício, a romancista e tradutora Laura, a editora Rachel, o diagramador Ramon) fez um primoroso livro: -“Benito Barreto, 50 anos de Literatura”. Uma beleza.