Por Cid Benjamin –
Pelo visto, esses valentões bolsonaristas são como os tambores: “Fazem muito barulho, mas são vazios por dentro”.
Dentre as formas de expressão da cultura popular brasileira, a música talvez seja a que melhor retrata o dia a dia das pessoas. No futuro, estudiosos sobre o cotidiano no país poderão ter farto material de pesquisa ao examinar nossas músicas populares.
Quando vejo alguns bolsonaristas que posam nas redes sociais ameaçando Deus e todo mundo de armas nas mãos, e depois choramingando ao saberem da decretação da prisão, me lembro de um samba gravado por Bezerra da Silva. Já até o citei num artigo anterior aqui na Fórum. Ele começa assim: “Você com revólver na mão é um bicho feroz, sem ele anda rebolando e até muda de voz”.
E me vem à cabeça a adoração de Jair Bolsonaro ao ex-chefe do DOI-Codi de São Paulo Brilhante Ustra, uma das poucas figuras condenadas como torturador pela Justiça brasileira. O presidente o tem como herói e gosta de lembrá-lo, numa clara apologia à tortura – o que, por si só, é um crime.
Francamente, seja qual for a posição política de alguém, é difícil ver um ato de coragem na tortura de presos amarrados, encapuzados e pendurados no pau-de-arara. Ustra sequer ia à rua capturar os opositores políticos que os militares classificavam como subversivos. Ficava esperando por eles no DOI-Codi. Haja valentia…
Sua história me lembra a do capitão Alfredo Astiz, que se tornou o maior símbolo da tortura de presos políticos na ditadura argentina. Quando da Guerra das Malvinas, ele comandava uma unidade que participou do conflito. Melhor seria dizer que comandava uma unidade que deveria ter participado do conflito. Na hora do vamos ver, o bicho feroz Astiz deu ordem para que a unidade se rendesse sem disparar um tiro sequer.
Só faltou rebolar e mudar de voz, como no samba cantado por Bezerra da Silva. Hoje Astiz está preso, condenado à prisão perpétua. Na Argentina os torturadores não são considerados heróis.
Uma dura verdade é que as forças armadas latino-americanas se especializaram em humilhar, agredir e matar civis indefesos. Quando se vêm diante de outros militares profissionais – como foi o caso dos argentinos diante do Exército inglês nas Malvinas – fazem como Astiz, afinam. É uma vergonha.
Aliás, questionado sobre o lamentável estado em que se encontravam os tanques dos fuzileiros navais que Bolsonaro usou recentemente para tentar intimidar os deputados na votação sobre a emenda constitucional do voto impresso, um chefe militar afirmou que, para a destinação que se pensava para eles, aqueles blindados serviam, apesar de seu estado precário. Foi uma confissão clara de que sua destinação não era para uma eventual guerra ou para o enfrentamento com outros militares, mas para a repressão a civis desarmados.
No último mês de setembro transcorreu o 48º aniversário do golpe militar que levou o general fascista e corrupto Augusto Pinochet ao poder no Chile e assassinou o presidente Salvador Allende. Assassinou também Victor Jara, um dos mais importantes músicos chilenos. Nascido em 1932, Victor foi também diretor de teatro e ativista político. É autor de um dos maiores clássicos do cancioneiro popular daquele país: “Te recuerdo, Amanda”.
No golpe militar de 11 de setembro de 1973, ele foi preso no Estádio Chile, um dos locais em que concentraram militantes de esquerda quando do golpe e que, hoje, leva o nome de Victor Jara. O corpo foi abandonado perto de uma favela com dezenas de marcas de tortura. Ainda no Estádio Chile, outros presos ouviram a ameaça de um oficial do Exército chileno que lhe quebrou todos os dedos das mãos com coronhadas de fuzil: “Você nunca mais vai tocar violão”. Efetivamente, Victor nunca mais tocou violão, mas não só por ter tido as mãos esmagadas, mas por sido morto na tortura.
O cadáver foi identificado pela esposa, a bailarina britânica Joan Turner. Víctor tinha 44 marcas de bala e numerosos ossos fraturados.
Volto a essa história porque se sucedem notícias de que, aqui no Brasil, valentões fascistoides tremem nas bases ao serem ameaçados de prisão. Pode até ser que haja algum exagero nisso.
Afinal, as condições de prisão a que são submetidos os bolsonaristas presos hoje não se assemelham, nem de perto, às que eram submetidos os opositores da ditadura militar.
Mas a verdade é que são tantas as notícias semelhantes – e de diferentes fontes – que me fazem desconfiar que algo haja de verdade. Quando não estão choramingando diante da possibilidade de prisão, esses valentões de araque arranjam logo uma história de que não podem ir para a prisão por questões de saúde.
A última dessas notícias foi divulgada pelo deputado federal Paulo Pimenta (PT) em suas redes sociais. Segundo ele, ao tomar conhecimento de que seu filho Carlos poderia ser preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, o presidente teria ligado chorando para o magistrado, implorando para que o filhote não fosse para trás das grades.
Pelo visto, esses valentões bolsonaristas são como os tambores: “Fazem muito barulho, mas são vazios por dentro”, para usar uma expressão do saudoso Barão de Itararé.
CID BENJAMIN foi líder estudantil nos movimentos de 1968, participou da resistência armada à ditadura e foi dirigente do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Libertado em troca do embaixador alemão, sequestrado pela guerrilha, passou quase dez anos no exílio. De volta ao Brasil em 1979, foi fundador e dirigente do PT e, depois, participou da criação do PSOL. É jornalista, professor e autor dos livros “Hélio Luz, um xerife de esquerda” (Relume Dumará, 1998), “Gracias a la vida” (José Olympio, 2014) e “Reflexões rebeldes” (José Olympio, 2016). Organizou, ainda, a coletânea “Meio século de 68 – Barricadas, história e política” (Mauad, 2018), juntamente com Felipe Demier.
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