Por Carlos Pronzato

Para muito além de cartolas, empresários corruptos, máfias da FIFA e dos grandes clubes, disputas de políticos corroendo as instituições futebolísticas, juízes e jogadores comprados, e todo um universo do submundo marginal do futebol, a paixão anárquica e genuinamente brasileira, que pulsa indiferente a tudo aquilo que foi citado acima, se perde nas brumas do mais vil comércio, quando uma bola, num campo de várzea, num clube de bairro, numa praça, no morro ou no asfalto, ou até no imaculado reflexo dos olhos de qualquer espectador no Maracanã ou na Fonte Nova, é posta em jogo.

Todo torcedor que se preze, lembrará de um dos seus mais apaixonados cultores, que partiu em 13 de abril, para várzeas mais etéreas: Moraes Moreira, integrante do imprescindível grupo musical de samba e rock tropicalista da boa terra, os Novos Baianos, que, além de ter marcado a musica popular brasileira com as suas releituras e misturas rítmicas, se consideravam, antes de tudo, um time de futebol. Quem duvidar, assista o excelente documentário Filhos de João, o admirável mundo Novo Baiano, de Henrique Dantas e verá a turma feliz, batendo bola no sitio “O cantinho da Vovó”, onde moravam em Jacarepaguá, RJ, e posteriormente noutra fazenda em São Paulo, inclusive aceitando desafios futebolísticos noutras cidades e estados.

Com Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Baby Consuelo (Baby do Brasil), Dadi, Baixinho e Bolacha e tal vez com mais alguns simpatizantes (João Gilberto?), conformavam os onze em campo para enfrentar as vicissitudes da vida, os obstáculos profissionais no mundo musical, os rígidos esquemas da sociedade e a conjuntura política de uma época nada simpática com a liberdade e as asas criativas da vida em comunidade, em plena ditadura militar, já que o grupo se consolida entre os anos 1969 e 1979. Depois dos sucessos dos LPs Ferro na Boneca (1970) e Acabou chorare (1972) – álbum considerado o melhor da musica popular brasileira pela revista Rolling Stone – ambas canções título de Moraes e Galvão – chegou o LP Os Novos Baianos Futebol Clube (1973), o ápice do reinado da harmonia entre a música e o futebol no processo evolutivo da banda, onde estreiam uma versão contemporânea de Samba da minha terra de Dorival Caymmi, outro referente e conterrâneo, junto aos outros baianos onde beberam as suas maiores influências, as fontes cristalinas de João Gilberto e Assis Valente.

Simpático ao Esporte Clube Bahia (em 1988 esteve na frente do trio elétrico com Dodô e Osmar, comemorando o titulo brasileiro do tricolor, além de dedicar uma canção especial ao craque Bobô) e ilustre torcedor do Flamengo, o baiano de Ituaçu (nascido em 8 de julho de 1947), deixa em luto o carnaval e o futebol.


*Carlos Pronzato é cineasta documentarista, poeta, escritor, membro do IGHB.