Por H. James Kutscka –
Era um dia do verão de 1985, mais ou menos onze horas da manhã, eu e Juan Ignácio Cabrera, (gerente de marketing da Unilever Chilena) a bordo de um Boeing 737 da Ladeco, havíamos acabado de pousar no aeroporto de Arica, a cidade mais ao norte do Chile à beira do Pacífico.
Lá fora em um céu azul, sem nenhum fiapo de nuvem, um sol branco de tão luminoso, quase a pino, iluminava tudo de maneira a não deixar sombra de dúvida de que estávamos na altura do deserto mais árido do mundo, o Atacama.
Depois de um lento taxiar pela pista, o piloto finalmente desligou as turbinas.
Lá fora tudo era como eu imaginava; apenas mais uma cidade do norte do Chile, um pouco maior que Iquique, um pouco menor que Antofagasta.
Então uma aeromoça abriu a porta dianteira do avião e, antes que os passageiros começassem a desembarcar, Arica entrou.
Uma lufada de vento, invadiu o interior da aeronave trazendo um cheiro que parecia ser proveniente de alguma câmara frigorífica que alguém esquecera desligada, exposta ao sol do deserto por meses com sua carga de bacalhau apodrecendo, para abri-la exatamente no instante em que chegamos.
O insólito da situação era que parecia que somente eu sentia o abominável odor.
O resto das pessoas não demonstrava nenhuma surpresa.
Juan Ignácio que mais que um cliente era meu amigo, vendo minha expressão riu, e explicou:
Grande parte da economia da cidade girava em torno da produção de farinha de peixe, então toneladas de restos de peixes, depois de retiradas suas partes nobres, eram deixadas para secar ao sol, para posteriormente serem transformados em uma farinha usada como adubo ou ração para animais como, aves, porcos e até mesmo gado, razão pela qual toda carne em Arica, não importando de qual animal fosse, sempre rescendia a peixe.
Segundo ele, a população local já estava tão habituada que nem mais sentia o apestoso perfume local.
Ao longo dos seis anos em que exerci o cargo de diretor de criação da J. Walter Thompson Chilena e presidente da “Neon” (agência de eventos attaché da JWT que criei no Brasil e expandi para toda América Latina), tive de voltar inúmeras vezes a Arica; nunca me acostumei com seu “perfume” natural, mas encontrei um belo hotel, um pouco distante da cidade, com chalés a beira mar atrás do Morro de Arica, palco de uma das batalhas mais importantes da guerra do Pacífico que vencida, levou o exército chileno até Lima.
O acidente geográfico desviava os ventos vindos, seja do mar seja do deserto, criando um verdadeiro oásis olfativo.
Um caso similar ao dos habitantes de Arica acontece aqui mesmo no planalto central, mais especificamente em Brasília, onde a palavra privada na vida de políticos se confunde cada dia mais e deixa de significar, “exclusiva”, que certamente o é, pois para escapar da opinião do povo criaram até mesmo uma sala VIP no aeroporto, ao custo de R$350.000,00 ao mês para evitar o contato com “nós o povo”, para cada vez mais assumir o de “latrina”, onde vivem cagando regras sem nem mesmo sentir o cheiro, tão acostumados estão a cagar em grupo suas digeridas lagostas e vinhos importados na sua exclusiva e superior latrina.
Somente como exemplo: Um advogado medíocre alçado por compadrio à presidência da mais alta corte do país, que também ocupa o cargo de presidente do CNJ, contrariando um ofício do Ministro Sergio Moro, facilitou a ida de um dos líderes do PCC preso no Paraná, para prisão domiciliar. Tão logo se viu fora das grades, Valacir de Alencar (o meliante) se livrou da tornozeleira eletrônica e ganhou o mundo,
Do alto de sua suprema petulância, o mesmo ministro após as manifestações populares da última semana, declarou que: “Quando você ataca as instituições, você ataca a democracia”.
Para vossa informação ministro: “Democracia é a segurança do direito”, coisa que segundo prova vossa esdrúxula interpretação, não temos.
Aí, no meio de toda essa verdadeira diarreia intelectual que assola o país, o Ministro Moro herói da Lava Jato, para a grande maioria do povo um cidadão impoluto, pede as contas, e o presidente Bolsonaro declara em rede aberta de televisão, cercado de todos os ministros restantes de seu governo, ter sido chantageado por Moro, que concordaria com a saída de Maurício Leite Valeixo da direção geral da Polícia Federal, mas somente em novembro próximo, quando fosse indicado para o STF.
Como o povo de Arica não podemos ignorar o cheiro, se cheira a merda, merda deve ser.
Como diria com propriedade o grande bardo inglês se por aqui estivesse: “Há algo de podre no judiciário”.
Ou como disse Nelson Rodrigues: Toda unanimidade é burra.
O tempo nos dirá.
H. James Kutscka é Escritor e Publicitário / Enviado por Lucas Ribeiro Mendes – Curitiba (PR)
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