Por Jansen Oliveira

O crime bestial que vitimou George Floyd, no Estado de Minnesota, nos EUA, é inacreditável mesmo diante do racismo persistente que corre nas veias de parcela considerável de americanos e de cidadãos em todo o mundo. A barbárie racista acabou por despertar, novamente, a sociedade para a necessidade de se levantar contra um dos problemas mais terríveis que assola a humanidade e volta e meia se apresenta em diversos pontos do planeta.

Do fatídico e nefasto episódio, podemos perceber de imediato dois alarmantes comportamentos. O primeiro, da sociedade funcionando como se tivesse que, de tempos em tempos, ser submetida a uma corrente elétrica, através de um sombrio desfibrilador imaginário, a fim de reanimar a consciência e provocar uma onda de reflexões que se materializam em manifestações e protestos globais.

O radicalismo sempre nos conduz ao desfiladeiro da intolerância e, por consequência, da ignorância, da negação e a sentimentos que confundem a nossa lucidez, projetando-a em queda mortal. No entanto, não há mais espaços para tolerarmos atitudes racistas, preconceituosas, misóginas e homofóbicas de certas pessoas e grupos. Precisamos não mais tolerar comportamentos que desaguem neste mar de ideias doentes e inescrupulosas.

Como diz um dos lemas levantados em muitas manifestações, não basta não ser racista é preciso ser antirracista!

O outro comportamento vem de muitos e muitos anos. A cena do joelho sufocando até a morte é – de novo – inacreditavelmente real, mas é também simbólica. A metáfora pode ser associada, por exemplo, à desigualdade social que persiste principalmente nos países de terceiro mundo, fazendo milhares de vítimas e abreviando vidas de modo brutal. Séculos atrás, o racismo se materializou na escravidão legitimada pelo Estado, o que não é muito diferente agora, embora de maneira, digamos, velada. E aqui não se está demonizando o capitalismo e muito menos pregando o comunismo. Apesar de exaltar a liberdade, penso que sistema de governo bom é aquele que seu povo escolhe e nele vive bem. Ademais, não se pode ignorar a aptidão do ser humano em preferir, em sua grande maioria, servir voluntariamente, como bem explicou Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro o “Discurso da Servidão Voluntária”. Vemos ali o motivo do apreço de alguns pela ditadura.

Neste mesmo tipo de comportamento está englobada à desigualdade social, as mazelas sentidas pelo conjunto da maioria oprimida. Particularmente, não considero adequado referir-se a negros, obesos, deficientes, pobres, analfabetos, inclusive os funcionais, mulheres, homossexuais e outros segmentos sociais como minoria, pois matematicamente somados, estes grupos são maioria. Aliás, o que é ser normal? Restringir o foco à disparidade numérica revela outra faceta de uma sociedade que, através do poder e/ou dinheiro, manipula regras de comportamento social pelo uso da força bruta ou simbólica.

Qualquer discussão sobre esses temas tristes e desafiadores nos obriga à reflexão e busca de instrumentos de transformação para virar esse jogo e diminuir o distanciamento entre ricos e pobres – sim, diminuir, pois, do contrário seria pregar um mundo utópico – e, portanto, equilibrar os termos de convivência da humanidade, como ensina a doutrina do meio-termo propagada pela filosofia ocidental e oriental, através de Aristóteles, Plantão, Confúcio e Lao Zi e tantos outros pensadores.

Com educação, nossos valores sofrerão uma automática mudança, efeito de um amadurecimento e compreensão maior dos alicerces de uma vida útil e mais justa, cuja evolução não permitirá que sentimentos mesquinhos e inescrupulosos subsistam em grandes proporções, ficando adstritos a uma minoria sem força suficiente para encorajar movimentos como um joelho em sua glote, ou de um simples gesto que conduza uma criança, como o menino Miguel, ao desfiladeiro da morte.

A verdade é que vivemos em uma sociedade em que o ar é rarefeito na maior parte do tempo, seja por um ato físico, estrangulador ou psíquico. Mesmo pertencendo a uma classe privilegiada, muitas vezes também sinto a realidade me garrotear a garganta, quando me deparo com pedintes no semáforo, com pessoas dormindo na rua e gente convivendo com esgoto. Não é possível manter o diafragma a pleno vapor, enquanto seres humanos que não se enquadram dentro de um espectro forjado pela minoria opressora e que anos a fio incute na mente de todos, seja pelas mãos da escola, pela hóstia da igreja ou pelo sermão do pastor, uma doutrina perversa, cruel e mortal de abominação aos diferentes.

Vamos aproveitar a onda elétrica que está contagiando a todos para não só protestar, mas exigir que a classe política – que nós colocamos no poder – dê, de fato, atenção ao sistema educacional do nosso país, a fim de que possamos formar cidadãos, na verdadeira acepção da palavra, pois, do contrário não estaremos a salvo sob a falsa proteção de nossas escolas caras, nossos carros blindados e nossas fortalezas em forma de condomínio.

Precisamos, todos nós, fazermos a nossa parte para que não cheguemos ao fim da jornada em um estado agonizante de insuficiência do oxigênio da moral.

Basta!


Jansen dos Santos Oliveira – Advogado