Por José Macedo

“É perturbador o fato de o regime totalitário, malgrado seu caráter evidentemente criminoso contar com o apoio das massas” (Hannah Arendt, em Origens do Totalitarismo).

Os futuros historiadores brasileiros terão de escrever um capítulo especial, que pode ter o título “A era da desordem e da desarmonia entre os poderes da República”. Esse capítulo terá seus subtítulos, que se inicia, em 17 de março de 2014, com a operação Lava-Jato, seus desvios de finalidade, tendo como figura central um juiz, condenado por suas parcialidades, suspeito na instrução e julgamento de processos e na prolação de sentenças. A figura e a atuação desse magistrado terá um tratamento especial, nesse contexto de desordem político-constitucional e insidioso deslizamento para o autoritarismo.

A história narrada chega à Câmara dos deputados, com o deputado presidente, Eduardo Cunha, aceitando e aprovando o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Em 2018, o Juiz da Lava-Jato volta a ter papel fundamental e subliminar, decretando a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O resultado dessa desordem “anunciada” foi a eleição do Capitão Jair Messias Bolsonaro, não importando a figura tosca e inexpressiva do eleito, mas seu resultado.

Desde 2016, a população brasileira assiste paralisada os frequentes atentados ao Estado Democrático de Direito e a manifesto desprezo à Constituição.

Porém, é, após 2018 que, as insatisfações e ameaças materializam-se em atos públicos do poder executivo e de alguns seguidores do presidente da República contra o STF e seus ministros.

Sem dúvidas, a pretendida manipulação do Sistema Eleitoral poderá obter consequências irreparáveis para a democracia.

Não temos certeza do que ocorrerá, nos próximos meses, sugiro apenas que as forças democráticas fiquem alertas sobre os perigos que noz cercam.

As ameaças direcionam-se contra a incolumidade física, desobediência às decisões judiciais, estas, quando desagradam o Presidente da República.

O Presidente da República, mais um absurdo esponte sua (por vontade própria), quer ser órgão revisor do STF.

Então, o Estado Democrático de Direito e a democracia, nesse cenário, correm concretos riscos de ruptura, significando crise institucional, o caos.

Ao que nos parece é da vontade do presidente da República produzir o caos e a concretização do desejado golpe.

O impeachment da presidente Dilma e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva serviram de preparo e pavimentação para que fosse eleito, em 2018, um representante de forças conservadora, autoritárias e golpistas, que, sempre, estiveram de olho no poder, até porque, a ditadura de “64” não foi concluída.

Não tenho dúvidas: a eleição de 2018 foi o retrato fiel da vontade de, pelo menos, 30% da população brasileira, que é refratária à aceitação dos valores humanos e Democráticos, da solidariedade, igualdade e fraternidade.

Assim, à população brasileira não lhe é dado o direito de participar e de usufruir dos frutos do crescimento econômico, significando melhor distribuição de renda e Justiça Social.

Nós estudiosos da história, da conjuntura sociopolítica e econômica do Brasil, sabemos que, parcela significativa de nossa população não rompeu com os vínculos do escravismo e com os sonhos da Casa Grande e da Senzala.

Certa vez, eu falei que, o brasileiro é sadomasoquista, porque demonstra sentir saudades do “reio” no lombo, tanto quem apanha, quanto quem bate.

Essa é minha forma de enxergar a passividade mórbida de quem sofre, não se indignando, omitindo-se, diante do prazer, do individualismo e da maldade do algoz.

As figuras do Senhor do Engenho, do Capitão do Mato e do Capataz estão, fortemente, visíveis em nossas vidas, na politica e nas instituições.

Cabe um outro absurdo: o clamor do “Deus, Pátria e Família”, uma forma para instaurar o medo, facilitando a passividade, caminho fácil para a dominação.

Deus, então, é o garantidor, a função de esconder esse inferno dantesco, a figura do patrão e dos políticos, travestidos de zelosos.

Os indicadores sociais põem por terra o mito do bom patrão, dos políticos sérios e de que, o brasileiro é pacífico, solidário e cordial.

Tudo isso forma o caldo de cultura de nossa sociedade, que não é democrata e muito menos pacífica, solidária ou cordial.

Essa pandemia, para os atentos, serviu para mostrar situações, até então ocultas, como a verdadeira face desse governo e o desprezo pelo outro.

Apesar dos números de mortos, do desemprego e da Fome, o presidente desvia recursos e aconselha o armamento da população.

Jair Bolsonaro, ao discursar diante do Quartel-General do Exército. (Reprodução)

O presidente da República não mudou sua índole dos 30 anos atrás, de arruaceiro e de desordeiro.

Ainda parlamentar, sugeriu o fuzilamento do então presidente, FHC. Do mesmo modo desejou a morte da então presidente Dilma.

Em outra ocasião, falou ser a favor da tortura, da ditadura e da morte de 30.000, durante a ditadura.

Ele, apesar dessas afirmações, foi eleito presidente da República, com 58 milhões de votos.

Na sessão da Câmara para votar o impeachment da presidente Dilma, aos berros, dedicou seu ao maior torturador dos 21 anos de ditadura (1864/1985), Carlos Brilhante Ustra, debochando, disse: “o terror da Dilma”.

Vou trazer, abaixo, números esclarecedores, que fundamentam e que me motivaram a escrever este artigo, apontando aberrações e contradições, para não serem meras narrativas.

Estamos no ano de 2022, ano de eleição.

A população brasileira é, aproximadamente, de 215.000.000 e somos a sexta população do mundo.

As mortes de brasileiros em função da pandemia aproximam-se, o que é uma tragédia, de 700.000, ou seja, representando um terço das mortes no mundo.

Veja: O Brasil possui apenas 3% da população mundial.

Defino assim como tragédia, omissão do governo, desprezo à ciência, por que, não dizer genocídio?

Alguém lembra-se do presidente visitar um hospital e preocupar-se com essas mortes?

Nesse tempo de pandemia, vemos o aumento da violência, resultado do incentivo à Intolerância, ao ódio e à propaganda para armar a população.

Assim é que, a cada 2 minutos, uma mulher é espancada; a cada 11 minutos ocorre um estupro; a cada 2 horas é assassinada uma mulher; o Brasil é o 5° pais, mais violento contra a mulher; as mulheres pobres e negras são as maiores vítimas dessa guerra declarada. A maioria dessas vítimas não têm rostos, muitas não chegam a compor as estatísticas, ficarão, eternamente, anônimas, não nasceram e são vidas inúteis.

Uma pessoa negra é morta a cada 4 horas; nos últimos 2 anos, 17.000 mil negros foram assassinados, cujas causas e autoria são ignoradas ou desconhecidas; uma pessoa negra tem 4 vezes mais chance de sofrer violência policial; a cada 23 minutos é assassinado um negro, no Brssil; 78% das mortes por arma de fogo são de negros. (Fontes: IPEA, IBGE e a ONU).

Esses números resumem e traduzem a violência contra a mulher e o negro, sobrepondo sobre eies a maior vulnerabilidade, consequência das desigualdades sociais e econômicas e ausência de medidas governamentais, capazes de reduzirem os efeitos perversos da pobreza e do desemprego.

O desemprego está em 14.000,000; 20.000,000 passam fome; 40.000,000 estão na informalidade (fazendo bicos); 119.000.000 de brasileiros possuem alguma deficiência alimentar.

Mas, somos o maior exportador de proteínas (carne) do mundo e o terceiro maior exportador de grãos.

Não é vergonhoso ver milhares brasileiros disputando carcaças de frango ou osso em açougues e lixo de supermercado?

Estamos cansados e não seria produtivo, apesar de cômodo, ficar sentado, assistindo o gado passar?

Porém, é vergonhoso o comodismo, que é omissão.

Mas, com a solidariedade de todos, uma transfusão de ânimo deve ser feita e é urgente!

Não podemos ficar sentados à beira do caminho, assistindo o gado passar.

Nossa história está marcada por esses momentos de letargia, de enganos e de aparente paralisia.

Inspiro-me naquele povo da caatinga, dos sertões de Canudos, meu Sertão querido, sempre, no expectativa do próximo inverno.

O Conselheiro e seu povo, famintos, extenuados, não se renderam.

Restou o genocídio, mas aquele povo é, historicamente, modo e ponto de referência de luta e de destemor, exemplo para nossa história e para os revolucionários.

Ser diferente? Não!

O sentido da vida é a luta pelo bem de todos, a solidariedade e o humanismo.

Nada de sentir-se um fracassado, cachorro vira lata, diante das nações poderosas ou dos genocidas.

Discurso, a conversa honesta, o diálogo, nunca, o cultivo do ódio, valem, mesmo nas divergências.

A democracia recepciona o contraditório. Miremos as eleições, com nossa arma em mãos: o título eleitoral.

As democracias cedem ao autoritarismo, não só pelo uso da violência, mas pelo uso insidioso e subliminar, incorporando a propaganda e notícias falsas, o que é o mais comum.

JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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