Por Lincoln Penna –
O título que faz alusão ao vazio submisso se refere à definição de Leni Riefenstahl ao explicar o quadro social apresentado em seus filmes propagandísticos do regime nazista, todos glorificando Hitler e os seus intentos políticos, numa Alemanha que padecia das sequelas ainda muito presentes do imediato pós-guerra de 1918, e que se perpetuaria ao longo da década de 1920, quando começa a se esboçar o avanço do movimento que levaria o Fuhrer ao poder absoluto.
Essa matéria na qual sobressaiu o termo a definir a resignação do povo alemão de modo a aceitar as pregações de cunho intolerante e autoritárias dos dirigentes do Nacional-socialismo, ou seja, dos membros do nazismo é de autoria do jornalista e escritor John Richard Pilger, escritor australiano vinculado ao que se convencionou chamar de jornalismo investigativo. Pilger é um intransigente defensor da libertação de Julien Assange, que permanece detido e impedido de exercer as suas atividades. Não pode viver essa liberdade de Assange, pois veio a faleceu há pouco aos 84 anos. É nessa matéria que Pilger lança mão da definição de “vazio submisso”.
Nessa sua matéria da qual tomo a liberdade de usá-la para estender a aplicação dessa definição, o autor constata o domínio dos EUA na mídia do mundo ocidental, a ponto de as 10 maiores empresas mundiais se encontrarem na América do Norte, na internet, nas redes sociais tais como a Google, Twitter, Facebook, todas controladas majoritariamente por grupos estadunidenses.
Em sequência diz que durante a sua vida, os EUA derrubaram ou tentaram derrubar mais de 50 governos, na sua maioria democracias. Interferiu em eleições em mais de 30 países. Lançou bomba sobre populações igualmente também de 30 nações, a maioria constituída de povos pobres e indefesos. Cogitou e buscou assassinar os líderes de 50 países, além de comandar atentados e reprimir os movimentos de libertação nacional em mais de 20 sociedades nacionais.
Dai configurar-se nesses brevíssimos dados o vazio submisso em razão, como disse Pilger, de uma “aceitação” conformista na qual a extensão e a escalada dessa verdadeira carnificina programada não ser reconhecidas como tal, com a permanente impunidade dos cometimentos desses crimes de lesa-humanidade passados ao largo da opinião pública fartamente desinformada ou mal-informada conscientemente é absolutamente inconcebível.
Por ocasião da aceitação do Prêmio Nobel de Literatura o dramaturgo Harold Pinter, morto em 2008 sua fala é reproduzida por Pinger citando-o:
Os crimes dos Estados Unidos têm sido sistemáticos, constantes, cruéis, implacáveis, mas muito poucas pessoas realmente falaram sobre eles. (…) exerceu uma manipulação de poder bastante clínica em todo o mundo, ao mesmo tempo em que disfarçou como se fora uma força para o bem universal. É um ato de hipnose brilhante, até espirituoso e de grande sucesso.
Isso significa que a lavagem cerebral é tão completa que estamos programados para engolir um monte de mentiras. Se não reconhecermos a propaganda, podemos aceitá-la como normal e acreditar. Esse é o vazio submisso. Esse vazio tem muito a ver com um conjunto de fatores e atitudes comportamentais que tornam uma parcela considerável do povo refém dos comunicados que vazam nas redes sociais oficiais e oficiosas, de modo a neutralizar ou impedir qualquer sentido crítico das adversidades vividas por esses contingentes sociais costumeiramente sem eira nem beira, como se dizia num passado mais remoto.
Nesse panorama conjugam-se a naturalização dos crimes praticados pela “maior democracia do mundo”, a do velho Tio Sam, com os efeitos de uma poderosa máquina de desinformação e produção de alienações movidas pelos recursos midiáticos mais eficazes de sorte a resultar na mais completa dominação dos corações e mentes que os tempos contemporâneos produziu.
A esse fenômeno dá-se o nome de novo imperialismo seja ele atribuído ao denominado neoliberalismo onde o controle financeiro assumiu às rédeas das operações do grande capital, seja a considerar que o seio materno desse novo estágio do imperialismo deixou de lado essa maternidade uma vez que ele se reproduz em qualquer parte do mundo capitaneado digitalmente por operadores que definem as inversões e retiradas de aplicações rentáveis onde quer que seja em um mundo sem as fronteiras de antes, dado que a ideia de soberania nacional se apequenou.
No cenário atual com o aprofundamento das desigualdades sociais, com o avanço inexorável do aumento do aquecimento global a exigir esforços que esbarram nos apetites vociferantes do lucro a qualquer preço e, com o apetite das indústrias destrutivas do armamentismo voltado para o fomento de guerras localizadas em paralelo com o drama da fome e da insuficiência alimentar a afetar um quarto da população mundial, algo terrificante e jamais admitido anteriormente, os desafios são tão prementes e, portanto, inadiáveis, que só resta socializar a situação em que vivemos para que se possa criar as condições futuras de um processo massivo de conscientização acelerada.
Fora essa necessidade para que a humanidade se oponha à escalada que pode nos levar ao caos absoluto, etapa mais aguda e agravada do que estamos a definir como vazio submisso. Há algum tempo falava-se de barbárie na suposição de que esse agravamento maléfico da vida da humanidade poderia gerar situações a representar a antítese do progresso civilizatório.
Hoje em dia a regressão pode nos conduzir para algo mais dramático, que consiste na perda de nossa ancestralidade, de nosso passado que ou bem ou mal ainda cultivamos de uma forma ou de outra, seja glorificando como a documentarista oficial do nazismo, seja refletindo acerca de seus efeitos em nosso tempo coetâneo. Essa perda implica na mais completa escuridão proveniente de um acúmulo de apagamentos que nos tornarão mais vulneráveis à ação da dominação de quem detém efetivamente o poder de mando.
Como toda advertência, mesmo que exageradamente apreciada em face dos desdobramentos agora mais recentemente provocados pela aparição da inteligência artificial (IA), a nos deixar numa situação de incômoda expectativa por conta dos múltiplos e ainda desconhecidos por completo efeitos, impõe-se o exercício da dúvida. Ela é um mecanismo que atende tanto ao enfrentamento das incertezas, para que não aceitemos de imediato tudo o que nos é ofertado pelos avanços e aplicações da rápida expansão científica e tecnológica, como sempre foi um expediente próprio no exercício do conhecimento e na sua produção.
Duvidar não é contestar de pronto. É reunir elementos comprovatórios de que tudo que nos chega em termos de informação precisa ser checado convenientemente e com a certeza de que essa checagem tem fundamento. Isso serve principalmente para que não repitamos o que parte dos que assumiram uma atitude negacionista quando da mais recente pandemia. Atitude que custou inúmeras vidas ceifadas pela ignorância arquitetada pelos que resistem às evidências da ciência, do bem-senso e do apreço que se deve ter para com os nossos semelhantes mais desassistidos. Resistir ao esvaziamento de tudo que nos trás condições para elevarmos as nossas condições materiais e existências é uma atitude proativa a ser socializada.
É com base nesse discernimento esclarecedor por excelência que poderemos construir o futuro, aquele que pensamos sem a certeza de que iremos alcançá-lo de fato. Ele está logo ali a espera e ao alcance de uma humanidade sedenta de vigor cooperativo como já provou no passado, e capaz de construir dias melhores do que os já vivenciados desde que instrumentalizada e devidamente bem consigo mesmo em todos os sentidos.
Para isso, superar o vazio submisso é substitui-lo por um punhado de esperança e fazer avançar a ousadia do fazer coletivo, único caminho para erradicar a lógica que tem nos governado, a do egoísmo de cunho negativista e antissocial.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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