Por Lucas Rubio –
Há 109 anos, em 15 de abril de 1912, o navio britânico RMS Titanic afundava nas gélidas águas do Atlântico Norte.
Fazem 8 anos que não publico nada em minhas redes sociais no 15 de abril em memória do naufrágio do Titanic e achei necessário fazer isso nessa também gélida madrugada de 15 de abril de 2021.
Por anos esse assunto me fascinou ativamente, restando hoje ainda muito interesse, carinho e respeito com esse tema. Há quase 10 anos, cheguei a fundar uma organização responsável pela manutenção da história do Titanic no Brasil, a Sociedade Histórica Brasileira do Titanic.
Sobre esse naufrágio creio que muitos já conheçam até relativamente bem – tamanha é a popularidade do filme de James Cameron sobre o assunto. Mas há coisas muito além da abordagem cinematográfica por detrás dessa história.
O naufrágio do Titanic representou uma triste e trágica nota nas páginas manchadas de sangue do imperialismo e do capitalismo europeu e estadunidense do início do século passado. A busca pelo domínio dos mares escorando-se pelo tráfego de imigrantes pobres europeus levou a uma competição quase doentia entre companhias de navegação que almejavam cada vez mais a construção de navios maiores, mais luxuosos e com maior capacidade de carga humana, tudo em busca do lucro. Isso era acompanhado de péssimas condições de trabalho nos estaleiros onde eram construídos esses gigantes e também péssimas regras de segurança marítima e de cuidado com os passageiros – especialmente os pobres. Regras essa que sequer chegaram a considerar que era necessário ter botes de emergência que comportassem todos em caso de naufrágio.
No mesmo navio, com diferença de alguns andares, haviam reunidos dois mundos opostos – a opulência da Primeira Classe com seus ricos e milionários em instalações de ótima qualidade e a miséria da Terceira Classe quase no porão do navio com quartos compartilhados às vezes por 4 pessoas.
O naufrágio do Titanic é fruto também da loucura capitalista de buscar números e celeridade nos lucros. A condução de uma embarcação tão gigantesca e lotada por águas perigosas e cheias de icebergs – o que era de pleno conhecimento do capitão do navio -, tudo para acelerar a chegada ao destino e marcar cifras nos cofres da companhia, acabaram por levar à tragédia anunciada: o navio colidiu com um bloco de gelo e veio a pique.
Sabe, o afundamento do Titanic parece o Brasil de 109 anos depois.
Os ricos relutaram a achar que o navio estava realmente afundando e, mesmo com a água avançando cada vez mais, continuavam nos bares, jogando cartas, vestindo seus trajes e ouvindo a banda tocar músicas alegres. Nos conveses inferiores, os pobres não recebiam informações, não sabiam se o perigo era real, mesmo com a água batendo em suas canelas.
Quando a tragédia se tornou muito nítida, embarcaram nos botes primeiro os ricos. Os trabalhadores do navio, como os responsáveis do porão pela alimentação dos fornos e dos geradores, continuaram trabalhando. A equipe do rádio, pedindo socorro, só parou de trabalhar quando a água chegou na sala de comunicação. As camareiras, empregadas e criadas particulares continuaram atrás dos ricos dando-lhes chás quentes, agasalhos, coletes salva-vidas. E no fim, ficaram no navio, enquanto seus patrões subiam nos botes e acenavam com “boa sorte”.
Das 1.500 vítimas do naufrágio – um número absurdamente alto, diga-se – a gigantesca maioria eram de pessoas da Terceira Classe, composta quase que exclusivamente por trabalhadores europeus sem grandes perspectivas que haviam investido todas as economias na compra da passagem para os EUA, em busca de uma vida melhor do outro lado do mundo.
O inquérito posterior pouco puniu quem realmente havia sido responsável pela tragédia. O capitão, que morreu com o seu navio, foi apontado culpado, mas já estava convenientemente morto. Bruce Ismay, o dono da empresa proprietária do Titanic, a White Star Line, que havia pressionado o capitão a avançar em velocidade máxima só para bater um recorde de tempo de travessia, apenas foi afastado da vida pública. Aliás, ele estava no naufrágio e embarcou em um dos botes na hora da tragédia mesmo sem ser do público prioritário, que era mulheres e crianças. Um fura-fila cheio da grana. Talvez te lembre algo.
A White Star Line, inclusive, semanas depois da tragédia enviou às famílias dos seus funcionários vitimados no naufrágio cartas cobrando pelo valor das roupas e uniformes que haviam sido perdidos junto com os corpos não recuperados no Atlântico. Talvez hoje a White Star faria, no Brasil, coisas como pedir aos professores das escolas particulares que “favor, deixarem adiantados os planos de aula para agilizar os trabalhos em caso de internação”.
Para a posteridade, chegaram a ser declarados “heróis” figuras como John Jacob Astor e Benjamin Guggenheim, empresários milionários que apenas decidiram afundar com o navio vestindo seus melhores smokings ou então entregaram algum colete para um anônimo qualquer tentar a sorte nas congelantes águas atlânticas da madrugada.
Estava certo o velho filósofo que uma vez disse que a história só se repete como tragédia. Estamos vendo a cada dia mais o nosso navio afundando sem botes suficientes e só os ricos entrando neles, dobrando suas fortunas no meio da tragédia que mata mais de duas vezes a tragédia do Titanic diariamente.
LUCAS RUBIO – Coordenador do Núcleo de Política Internacional do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Presidente do Centro de Estudos da Política Songun-Brasil; Graduado em Letras com habilitação em Língua Russa pela UFRJ.
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