Por Jeferson Miola –
Convenhamos: não é nada trivial 1.200 criminosos serem presos na área do Quartel-General do Exército Brasileiro. E numa única “tarrafada”!
A prisão de terroristas e criminosos no Forte Apache – e em escala industrial – diz muito sobre o envolvimento objetivo das Forças Armadas com o terrorismo e com as práticas sistemáticas de crimes contra a democracia e o Estado de Direito.
Os criminosos só poderiam ficar acampados nas áreas dos quartéis se tivessem autorização dos comandos militares, como de fato tinham. E puderam permanecer mais de dois meses acampados no QG do Exército, onde foram tratados com camaradagem e apreço.
A senhora Maria Aparecida Villas Bôas, esposa do líder golpista e general-conspirador Villas Bôas, prestigiou o acampamento dos terroristas, onde foi festejada como celebridade.
Militares da reserva e da ativa desfilavam regularmente no local. Muitos deles para insuflar os criminosos, como o sargento da Marinha Ronaldo Ribeiro Travassos, que ali discursava clamando pelo assassinato do presidente Lula e de eleitores petistas.
O sargento, então lotado no GSI do general Augusto Heleno, apenas seguiu o exemplo de um oficial mais graduado, o general André Luiz Ribeiro Allão.
Comandante da 10ª Região Militar do Exército, o general Allão prometeu manter e proteger terroristas acampados na área do seu comando em Fortaleza “ainda que existam ordens de outros poderes no caminho contrário”. Uma declaração de guerra à Constituição.
Os criminosos acampados em Brasília com a bênção e a proteção do Comando do Exército não desocuparam a área do QG espontaneamente. E tampouco foram retirados do local pelo Exército, mesmo depois dos atentados terroristas em Brasília nos dias 12 e 24 de dezembro perpetrados por criminosos que ali prepararam os atentados.
Foi preciso ordem judicial do ministro do STF Alexandre Moraes para que o acampamento fosse finalmente desmobilizado e os criminosos identificados e presos. Mas somente após os graves ataques às sedes dos poderes da República neste 8 de janeiro.
Na ordem de desocupação [9/1], o ministro Moraes destacou que o “acampamento criminoso na frente do QG do Exército […] estava infestado de terroristas, que inclusive tiveram suas prisões temporárias e preventivas decretadas”.
Para o ministro Moraes, “absolutamente NADA justifica e existência de acampamentos cheios de terroristas, patrocinados por diversos financiadores e com a complacência de autoridades civis e militares em total subversão ao necessário respeito à Constituição Federal”.
O ministro do STF entende que “em momento tão sensível da Democracia brasileira, em que atos antidemocráticos estão ocorrendo diuturnamente, com ocupação das imediações de prédios militares em todo o país, e em Brasília, não se pode alegar ignorância ou incompetência pela OMISSÃO DOLOSA e CRIMINOSA”.
A fúria destrutiva que atingiu o Palácio do Planalto também foi facilitada pela “omissão dolosa e criminosa” do Exército.
Nunca se observou o Planalto desguarnecido e exposto como no momento do ataque das hordas fascistas. Não se viu nenhuma sombra do Batalhão da Guarda Presidencial, que é responsável pela segurança e proteção do presidente e vice-presidente da República e da sede do poder civil.
A dissolução dos acampamentos criminosos deveria ter sido a primeira ordem que o atual comandante do Exército deveria ter recebido e cumprido no governo Lula.
Como ficou comprovado com a evolução dos acontecimentos, o gradualismo defendido pelo ministro da Defesa José Múcio Monteiro foi um equívoco fatal. Era sabido que os acampamentos terroristas não iam “se esvair” espontaneamente.
Os terroristas que barbarizaram Brasília neste 8 de janeiro contaram com o apoio financeiro, logístico e material de empresários criminosos e, claro, com a conivência da PGR, do governo distrital e das polícias do DF.
Além da responsabilização de particulares e de agentes públicos implicados, é fundamental, porém, se agir em relação às Forças Armadas, em especial ao Exército brasileiro, que está no centro do terrorismo no Brasil, como esteve no tempo da ditadura, para manter controle e poder.
Como avalia o professor da UFJF Odilon Caldeira Neto, o ataque terrorista de 8 de janeiro “não é golpe em si, mas um evento apoteótico de deslegitimação das lideranças políticas e instituições democráticas. O plano é cercear o governo pelo centro e beiradas, na busca por tornar insustentável o exercício de poder. O caos é um instrumento para demandar militarização”.
Sintomaticamente, o Exército colocou tropas de prontidão esperando ser acionado para uma GLO – operação de Garantia da Lei e da Ordem, que corretamente não foi cogitada pelo governo federal.
O presidente Lula precisa aproveitar a coesão e comoção institucional e a solidariedade da comunidade internacional para adotar as medidas inadiáveis para a reformulação das Forças Armadas, a começar pela extinção do GSI, a substituição do ministro da Defesa e a demissão do comandante do Exército.
Não se pode minimizar o significado e a gravidade da prisão de um verdadeiro batalhão de 1.500 terroristas dentro da área do QG do Exército brasileiro.
Menosprezar isso seria devastador para a autoridade e governabilidade do governo Lula, e fatal para a democracia.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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