Por Carlos de Assis e Paulo Lindesay –
A despesa executada da União em 2019 foi de R$ 2,711 trilhões. Desse total, cerca de R$ 1,038 trilhão foi gasto com o pagamento do chamado serviço da dívida pública contraída pelo Estado brasileiro junto a bancos e sistema financeiro. Já a despesa com pessoal foi cerca de R$ 292 bilhões (ou 3,55 vezes menos que o gasto com a dívida pública). Esses números são mais que suficientes para que se constatem as distorções financeiras no nosso sistema público.
Alguns economistas alegam que não se pode comparar o serviço global da dívida, que inclui amortização rolada e não efetivamente paga, com as despesas correntes. É um equívoco. Em termos globais, o que está ocorrendo, com a amortização, é transferência patrimonial gigantesca em favor dos bancos e contra o povo, realizável no vencimento de curto prazo, pois basta apresentar os títulos vencidos no Tesouro para ter direito ao valor dele, corrigido.
Essa verdadeira arenga nas relações do sistema fiscal-monetário brasileiro são mal compreendidas pelo povo não por serem em si mesmas complexas, mas por serem absurdas. A maior parte do dinheiro “doado” pelo Governo ao sistema financeiro vem das chamadas operações compromissadas, um mecanismo pelo qual dinheiro barato do governo é oferecido diariamente aos bancos para que eles comprem títulos do próprio governo rendendo um dos maiores juros do planeta.
Qualquer pessoa da população brasileira pode entender esse processo se lhe for bem explicado. O que ele nunca entenderá é por que o governo faz isso, se ele é o emissor do dinheiro e não precisa “comprar” dinheiro na forma de títulos rendendo juros do setor privado. É incompreensível mesmo. Faz parte da bateria de favores com que o Governo, através do Banco Central e do Tesouro, enche de dinheiro as burras do setor financeiro especulador.
A primeira consequência disso, como dito acima, é a transferência de trilhões de reais pelo Estado ao setor privado, seja a bancos individualmente, seja ao grande capital intermediado pelos bancos. A segunda é o esmagamento financeiro do setor público e a virtual escravização do funcionalismo de baixa renda. Note-se que, tomando-se uma renda global fixa no ano, quem leva pedaço maior dela necessariamente toma um pedaço crescente do outro.
Isso explica a relação expressa acima entre o valor do serviço da dívida e o custo do funcionalismo para o Tesouro federal. Em outro artigo, temos demonstrado que o valor pago ao conjunto do funcionalismo não chegou a 300 bilhões de reais, ou seja menos de 5% do PIB, montante que não tem se alterado ao longo dos últimos sete anos. Entretanto, quando se abre a conta, constata-se uma iniquidade: a elite do funcionalismo, a aristocracia, pega pedaços cada vezes maiores do bolo, sustentada pela degradação da base.
Nos níveis baixos dos servidores é diferente. Eles pagam a conta do orçamento zero, o estúpido expediente pelo qual os governos neoliberais decidiram estrangular o setor público em favor do setor privado. O estrangulamento orçamentário global, incidindo mais fortemente sobre os baixos salários, libera dinheiro para a realização do superávit primário, sem considerar a dívida pública, já o superávit primário, sendo o que chamam de “poupança” do setor público, vai direto para os bancos.
O circuito fica completo: contração do setor público, superávit primário, transferência dos recursos aos bancos privados, que os divide com outros capitalistas não bancários. Qual é o custo final disso para a economia em termos reais? Se você congela o orçamento no chamado teto e libera o pagamento da pseudo dívida pública, não há nenhuma contribuição do setor público ao crescimento econômico.
Além disso, não está admitindo a possibilidade de crescimento da economia e da sociedade.
A presunção dos ignorantes que aprovaram o orçamento zero é que não há demanda real crescente de serviços públicos de um ano para outro, ou seja, que o Estado não precisa de adequar a oferta de seus serviços de saúde, educação, segurança, saneamento básico, incluindo a cobertura de serviços onde haja aposentadoria de funcionários, onde servidores que vão se aposentando tem que ser substituídos por novos concursados, a não ser em detrimento do serviço. Em uma palavra, é a degradação do Estado e de toda a economia em favor do capital.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS, Economista, Doutor em Engenharia de Produção. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
PAULO LINDESAY, Especialista em Dívida Pública – Diretor da ASSIBGE-SN e Coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã RJ.
MAZOLA
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