Por João Claudio Pitillo e Roberto Santana Santos

Quando Leonel Brizola acusou o Partido dos Trabalhadores (PT) de ser a “espuma da
história”, não o fez por uma simples birra, ou como uma crítica eventual. A Brizola
chamava a atenção a falta de profundida ideológica do referido partido em apresentar
propostas de enfrentamento ao imperialismo estadunidense, tão presente em nosso país
nos últimos 100 anos. Leonel Brizola, partidário de Getúlio Vargas e correligionário de
João Goulart, observou, lutou e sofreu em vários momentos contra esse imperialismo, que
sempre se fez presente no Brasil de forma aguda. Quando surge alguma proposta, mesmo
que tímida, como foram os governos do PT, de projeto nacional e/ou independência
econômica, essa presença aguda se transforma em golpe de Estado.

O presidente Getúlio Vargas compreendeu o papel que o imperialismo estadunidense
jogava na América Latina ainda no pré-guerra, quando os mesmo tudo exigiam do Brasil
e nada davam em troca. Getúlio, com muita expertise, conseguiu driblar o “alinhamento
automático” e aproveitou as oportunidades que a Segunda Guerra Mundial possibilitou
para iniciar um projeto de nação, a partir da edificação de um Estado de Bem-Estar Social.
Vargas pretendia romper as amarras do colonialismo e evitar o capitalismo dependente,
que surgia como única possibilidade para os países latino-americanos sob julgo
estadunidense. Com o fim da guerra, notou que isso não seria fácil; em 1945, o novo
embaixador estadunidense no Brasil, Adolf A. Berle, chegou ao país pregando contra
Vargas e contra a sua continuidade à frente do governo brasileiro.

Iniciava nesse momento uma política sistemática de ingerência dos estadunidenses nos
assuntos internos brasileiros. Os quinta-colunas de antes (incluindo militares
simpatizantes do Eixo), logo se tornaram os entreguistas de então. O golpe dado no
presidente Getúlio Vargas em 1945, logo se repetiu em 1954. O alvo era a tentativa de
Vargas e de seus correligionários em edificar um projeto nacional, que visava a
industrialização, o controle estatal das reservas estratégicas (como o petróleo) e a
diminuição das importações. Os entreguistas passam então a serem os “vendilhões da
pátria”, subordinados aos gringos, conspirando e atentando contra a soberania nacional à
soldo estrangeiro. Em tempos de Guerra Fria dizia-se que “o que era bom para os Estados
Unidos era bom para o Brasil”.

A tentativa de aprofundar esse projeto de nação, acarretou na eleição do presidente João
Goulart (primeiro como vice e depois assumindo a titularidade com a renúncia de Jânio
Quadros). Para a posse de Goulart foi preciso quase uma guerra civil, já que os
autodenominados “campeões do mundo livre” respeitam resultados eleitorais somente
quando lhes apetecem. Goulart deu início a um plano de reformas que visava a melhoria
das condições de vida dos brasileiros, em paralelo ao controle do capital estrangeiro e a
modernização do parque industrial. Tudo isso atrelado a uma proposta de reforma agrária
e urbana. As Reformas de Base do presidente Goulart seguiam o fio da história iniciado
com Getúlio Vargas, aprofundando com um reformismo radical o ideário original do
nacionalismo-trabalhista. Mais uma vez, em 1964, o intervencionismo estadunidense
entrou em ação, agora de maneira exitosa.

Foram 21 anos de Ditadura, tendo os militares à frente do processo, estabelecendo junto
à elite brasileira uma cultura de desvalorização do nacional, em detrimento do capital
estrangeiro. Toda e qualquer iniciativa que visasse independência política e econômica
era destruída. O Estado autoritário implementado pela Ditadura minou o desenvolvimento
autônomo brasileiro e inseriu, de maneira subordinada, o país na nova divisão
internacional do trabalho que tomava contornos nas últimas décadas do século XX. Esse
processo aprofundou a desigualdade social a níveis alarmantes e levou o capitalismo
dependente brasileiro a maior crise de sua história, a Crise da Dívida nos anos 1980.
A inobservância por parte do Partido dos Trabalhadores (PT) ao legado de Vargas e Jango
era algo histórico. A sanha para se afastar de tudo que lembrasse a “Era Vargas” –
inclusive a insana comparação da CLT com políticas trabalhistas fascistas – sempre foi
algo intrínseco ao PT, mas a negativa em reconhecer o imperialismo como inimigo e a
falta de um projeto nacional coeso, sempre chamou a atenção de seus críticos mais à
esquerda, colocando em dúvida a capacidade do referido partido em desenvolver um
projeto capaz de superar as contradições do capitalismo dependente. Não se pode pensar
em projetos autônomos nas áreas de Petróleo, Gás, Infraestrutura, Defesa e Relações
Internacionais – como almejou o PT – sem formular contramedidas ao imperialismo
estadunidense.

Alertada em 2013 que seu telefone e de mais 29 membros importantes de seu governo
estavam grampeados pelos serviços de inteligência norte-americanos, a presidenta Dilma
Rousseff foi incapaz de construir uma política de segurança institucional e/ou de reação
a esse ataque deliberado à soberania nacional. No limiar do ano de 2020, quando voltam
à tona as informações da aliança espúria entre os procuradores federais da Lava Jato e os
organismos de Segurança e Defesa dos Estados Unidos, percebemos que o projeto
estadunidense contra o Brasil era uma política de Estado e não uma ação pontual de
Democratas ou Republicanos.

O destino do Brasil traçado por Adolf Berle no distante ano de 1945 continuou vigente
graças aos traidores que se escondem atrás do “verde e amarelo”, mas também, graças
aos dirigentes brasileiros que tentam escamotear a luta necessária de “Nação X Império”,
aquela capaz de romper as amarras da dominação. A tentativa de consensualização feita
pelo PT, principalmente no governo Dilma, mostrou a fraqueza e a incipiência do projeto
em questão. Fica nítida a crítica acertada de Leonel Brizola. Mais do que o PT, todo o
campo da esquerda brasileira continuará sendo a “espuma da história” se não aprofundar
sua análise e sua prática nas grandes engrenagens do capitalismo internacional:
imperialismo, dependência, geopolítica, divisão internacional do trabalho, revolução
científico-técnica, etc.

Em 2014 o ex-presidente Lula criticou o presidente venezuelano Nicolás Maduro,
alegando que o mesmo deveria fazer um governo de coalizão com a direita apoiada pelo
imperialismo. Passados quatro anos, Lula estava preso pela Lava Jato/FBI e o PT
golpeado pelos seus ex-aliados. Maduro, que enfrenta ataques ainda mais violentos e
criminosos do imperialismo norte-americano do que Lula, foi reeleito em 2018 e
permanece no comando do governo de seu país. No Brasil, o resultado dessa equação
macabra é o “cavalo de Troia” Jair Bolsonaro e sua longa extensão de crimes contra o
povo brasileiro, entre eles, as quase 100 mil vítimas da COVID-19.


João Claudio Platenik Pitillo – Doutorando em História Social pela UNIRIO, 
pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas da UERJ (NUCLEAS) e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
Roberto Santana Santos – Doutor em Políticas Públicas e Mestre em História Política pela
UERJ. Professor da Faculdade de Educação da UERJ e Secretário-executivo da
REGGEN-UNESCO.