Por Luiz Felipe Pondé –
A Israel moderna nasceu do Holocausto e pode vir a perecer noutro massacre.
Como seria o mundo dos judeus sem Israel? Esta é a intenção do Hamas: a extinção de Israel. Façamos um exercício de imaginação irônica. As forças democráticas da resistência palestina, Hamas e Hizbullah, venceram a guerra e ocorre a ocupação.
A Palestina, agora livre do colonialismo judeu, poderá se tornar uma bela democracia sob a batuta do Hamas. A lei islâmica imperará sob a terra, antes ocupada por sionistas racistas.
MUITAS MUDANÇAS – Bolsas de estudo seriam dadas aos muitos defensores da resistência anticolonialista. Membros do PSOL poderiam mandar seus militantes LGBTQIA+ estudarem a lei islâmica, tal como o Hamas a entende —longe de ser a única interpretação entre os muçulmanos. Estou certo que o convívio seria o mais tolerante já visto na face da terra.
Todos os ocidentais que odiavam o extinto estado judeu poderão circular livremente pelas terras democráticas. Todas as religiões que consideravam o estado judeu terrorista poderão abrir seus templos e pregar sua fé para a população árabe, que seguramente teria liberdade para se converter ao que lhes agradar.
Mas, como fazer a gestão do extinto estado colonialista judeu e sua deplorável população? Haveria cota de pessoas a serem mortas? Estupros legítimos? As feministas antissionistas determinariam quais mulheres devem ser poupadas e quais devem ser castigadas?
AUTONOMIA FEMININA – Pessoalmente, entendo que o princípio da interseccionalidade deveria reger a assembleia, seguramente livre, e dar voz apenas as mulheres nesse assunto — claro que o Hamas concordaria com essa autonomia feminina —, já que apenas elas têm lugar de fala para decidir quem deve ser estuprada em nome de uma Palestina livre e quem merece cidadania na nova terra libertada.
O Hamas tomaria posse de toda a riqueza material e imaterial produzida pelos terroristas sionistas até então. Os jardins construídos em meio ao deserto seriam, agora, geridos por um governo amante da paz.
Mais idosos seriam eliminados em prol da população livre? O Hamas queimaria mais pessoas dentro de carros como fizeram no início da sua grande batalha anticolonialista, no último dia 7 de outubro?
DIREITOS ASSEGURADOS – Campos de prisioneiros judeus usufruiriam das práticas super-humanas típicas de grupos como o Estado Islâmico, o Talibã e o Hamas. Seguramente sinagogas seriam respeitadas e os judeus estariam livres para praticar seu culto.
Agora, de volta ao presente. Imagine alguém estuprando mães, matando filhos, arrastando pelas ruas mulheres mortas, colocando crianças em gaiolas. Agora eu pergunto: que tipo de gente é essa? Resistentes?
Que não me venham com argumentos de má-fé de que isso é resistência contra o colonialismo. Pouco importa o quanto se florear esse argumento, na base está a mesma coisa: antissemitismo. Esse fedor se sente de longe. E ele está se espalhando pelo mundo para quem tem olfato.
NADA DE NOVO – “Especialistas” no conflito israel-palestino culpam as vítimas do massacre recente —israelenses— por terem sido massacrados. Nada de novo no front.
O antissemitismo em setores da esquerda é uma questão de princípio hermenêutico, desde Stalin. Enfim, o ódio prático do Hamas é um “ódio do bem” para quem gosta de ver judeu morto.
O conflito israelo-palestino é uma fratura espiritual na inteligência pública ocidental. Suas vísceras estão expostas depois desse ataque terrorista que começou no sábado retrasado.
MAIS EDUCADO – O velho antissemitismo volta às ruas, mas, dessa vez, comendo de garfo e faca, e se comportando dentro da etiqueta acadêmica. No fundo da alma, uma boca cheia de água de tanto gozo oculto.
Para entender um pouco a psicologia de um soldado de Israel agora você deve ter em mente que perder uma guerra para os árabes será sempre a extinção do estado judeu.
Eles lembram da história de Massada, quando a última resistência aos romanos, formada por centenas de soldados, cometeu suicídio na fortaleza de Massada, ao lado do Mar Morto. Todo soldado de Israel repete essa frase na sua formação: “Massada nunca mais”.
É isso que vamos assistir na segurança de nossos lares e de nossos posts.
LUIZ FELIPE PONDÉ é colunista da Folha. Escritor e ensaísta, autor de “Notas sobre a Esperança e o Desespero” e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.
Publicado inicialmente na Folha e enviado por Egberto Monteiro – Rio de Janeiro (RJ). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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