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Não à boçalidade – por Sérgio Cabral Filho
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Não à boçalidade – por Sérgio Cabral Filho

Por Sérgio Cabral Filho

O mundo aguarda o desfecho da decisão do povo norte-americano nas eleições para presidente do país mais poderoso do mundo. Semana de expectativas. Semana de especulações dos “big shots” do mercado financeiro, da indústria de combustíveis fósseis, da indústria de armamentos, da indústria digital, etc.

Por outro lado, e o que importa: o povo pobre, preto, latino, asiático, pessoas que não são grandes patrocinadores da mídia, muitas vezes invisíveis, que acreditam no meio ambiente protegido, que creem em direitos humanos, na cordialidade e solidariedade entre as pessoas e os povos. Esses necessitam da vitória de Kamala Harris.

A vida pública me permitiu encontrar e trocar ideias com Bill Clinton, Barack Obama, Joe Biden, Martin O’Malley, Michael Bloomberg, George Bush, Rudolph Giuliani, John Boehner, Donald Trump, entre tantas outras personalidades da política dos EUA. O que mais me chocou foi a arrogância de Trump. Não comigo, ao contrário. Mas na sua maneira de ver o mundo e a forma de tratar as pessoas. Isso ainda como empresário. O ano era 2011. Me recebeu com deferência em seu escritório na Trump Tower. Ao final do encontro surpreendeu-me ao me convidar para um almoço no subsolo do prédio, na praça de alimentação. Ao descer no elevador da torre, fiquei impressionado com o fascínio das pessoas por Trump. Do elevador ao restaurante, não parava de ser cumprimentado e abordado. E sua reação era quase de desprezo para os acenos. Fiquei chocado. Ao contrário de sua filha, Ivanka Trump, muito gentil e com quem estive algumas vezes lá e aqui no Rio. Ali era a figura do empresário midiático, que naquela época, estrelava o programa de tv na emissora NBC, um reality show em que ele avaliava pessoas desejosas de empreender e trabalhar nas suas empresas , “The Apprentice”, onde 16 a 18 pessoas se submetiam às indagações de Trump e, ao final de cada programa, o frenesi era a sua frase grosseira à pessoa que seria demitida por não ter agradado a sua performance: “You are fired!!”.

Trump, Biden e Obama (Foto: AFP/Getty Images)

Donald Trump, esperto, percebeu que a grosseria e o preconceito racial, social, cultural faziam enorme sucesso com uma fatia significativa da população. Principalmente nas regiões “deep America”, a América profunda, que são os “red necks”, nos estados agrícolas conservadores, os “pescoços vermelhos”. A classe média, via de regra, quer saber do seu carro na garagem, casa comprada, emprego garantido e o desdém pelas minorias, imigrantes, gays, e movimentos identitários. Via de regra, ignora a vida no planeta. Se perguntar a essas pessoas qual a capital do Brasil, a chance é grande de dizer que é Buenos Aires. Ignoram ao seu redor no próprio país e o que dizer dos países em desenvolvimento e pobres do planeta?!

Kamala é filha de imigrantes. O pai, jamaicano, e a mãe, indiana, eram professores universitários. Kamala é inteligente, culta e profundamente humana. Ex-procuradora-geral, eleita com milhões de votos pelo povo da Califórnia. Pelo seu desempenho em defesa dos mais pobres e desassistidos, se elegeu senadora da república pelo estado mais rico do país. Tão rica a Califórnia, que, se fosse um país, estaria entre os dez países com os maiores PIBs do mundo. Enfrentou o “establishment” do Partido Democrata. Mas, ao contrário de Trump, que dizimou o centro democrático do Partido Republicano, Kamala é a face dos progressistas democratas. Biden compôs com a senadora para a chapa presidencial nas eleições de 2020. Pela fragilidade mental e física do presidente no primeiro debate com Trump esse ano, Kamala deixou a chapa para a reeleição como vice-presidente de Biden e foi alçada à candidatura presidencial. Aqui, nesse modesto espaço, me atrevo a dizer que fui um dos primeiros no planeta a indicar a necessidade da troca de Biden por Kamala Harris. No Brasil, com certeza fui o primeiro.

Há 180 anos, o povo norte-americano vota em uma terça-feira de novembro. Um país radicalmente democrático, pragmático e que busca gerar prosperidade. Entretanto, Kamala significa compartilhar essa riqueza com políticas de estado que gerem justiça social e oportunidades para todos. O empresário Trump acredita exclusivamente em esforço pessoal, despreza políticas sociais e adora agredir mulheres e imigrantes. Se você não teve uma família estruturada, se as intempéries da vida o prejudicaram, dane-se! Se vira!

Kamala Harris,  presidenciável e vice-presidente dos Estados Unidos (Lawrence Jackson / The White House)

Nessa terça, 5 de novembro, será o prazo final para os eleitores votarem. Mais de 70 milhões já votaram em diversos estados. O princípio federativo americano permite que cada estado defina suas regras para o início da votação, tendo a terça, 5, como prazo final em todo o país. No meu perfil do Instagram, postei uma análise do sistema americano de votação e a figura dos delegados por estado. Não, eleitor, ao contrário do que parte da mídia afirma, a eleição não é indireta. Há uma radicalização pelo fortalecimento da força dos estados, isto é, quem ganha no estado, que seja por um voto, leva todos os delegados estabelecidos em quantidade, de acordo com o número de deputados de cada estado, e mais os 2 senadores que cada estado tem direito. Por exemplo, a Califórnia tem o maior número de delegados: 54. Já o Alaska, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Delaware, Vermont, Wyoming e o Distrito de Colúmbia têm 3 delegados. O Distrito de Columbia, onde fica a capital, Washington, é a exceção, pois só tem um representante no Congresso.

Os Estados Unidos nasceram da união dos estados mais progressistas do norte. Os estados do sul escravocrata resistiram aos avanços do país. Até perderem a Guerra da Secessão para os estados do norte, sob a liderança de Abraham Lincoln. A perspectiva do fim da escravidão gerou uma guerra brutal no país. A guerra civil foi deflagrada após a assunção de Lincoln à presidência do país. Os estados Confederados do Sul, racistas e escravagistas não suportavam a ideia de ter que trabalhar e pagar de maneira digna aos seus trabalhadores. Nada diferente do que tivemos aqui no Brasil durante três séculos.

Prevaleceu a União, que reunia os estados mais progressistas. A Guerra Civil durou de 1861 a 1865. Mais de 700 mil pessoas morreram durante os combates sangrentos. Após a vitória dos estados progressistas e anti-escravagistas, em 1865, o Congresso americano aprovou a 13ª Emenda à Constituição: o fim da escravidão no país. Não foi fácil. Lincoln foi assassinado antes da aprovação da emenda, em abril, numa tentativa de frear o fim da escravidão. Mas o ódio dos reacionários não impediu a aprovação da 13ª Emenda em dezembro do mesmo ano.

Abraham Lincoln está lá, em Washington, soberano, sentado em sua cadeira numa escultura gigante e magnífica contemplando o país que consolidou com a sua coragem e destemor.

Portanto, terça será um dia decisivo para o planeta. Trump foi presidente de janeiro de 2017 a janeiro de 2021. Um presidente que desprezou os organismos internacionais, desprezou a democracia. Misógino, preconceituoso, que não tem pudor em xingar imigrantes, agredir mulheres, de falar qualquer absurdo sem cerimônia. Como há muitos idiotas em toda a parte, ele representa essa gente. O país vai escolher alguém que já foi presidente e que estimula a segregação? Logo o país da liberdade? Os Estados Umidos que lutaram na I Guerra Mundial pela democracia. O país que foi fundamental, junto com os britânicos e soviéticos, para vencer Hitler e Mussolini na II Guerra Mundial. Esse troglodita que afirma que ele resolverá todos os problemas da nação. Uma espécie de John Wayne, que abre o saloon e mata adversários disparando balas certeiras. O presidente que prestigiou déspotas, como Wladimir Putin e o caricato norte-coreano Kim Jong-Un. Que liderou e estimulou a invasão ao Congresso americano, para evitar a proclamação do resultado das eleições de 2020. Trump foi o pior presidente republicano dos últimos 100 anos. Pior até que Richard Nixon.

Peço a Deus que Kamala Harris vença as eleições e alcance o número de delegados suficientes (270) para se eleger presidente. Será a primeira presidente negra do país. Sim, a América é um país de oportunidades. Como nenhum outro no mundo. E isso vai acabar com Trump. Assim espero.

Custo a crer que a boçalidade da direita raivosa, desumana e preconceituosa, que liquidou a centro-direita e seus quadros do partido republicano, tenha êxito. Quando até a família do bélico Dick Cheney o despreza é porque o buraco é mais embaixo. Sem falar do empresário e ex-prefeito de Nova Iorque, Michael Bloomberg, republicano como Cheney, que está com os democratas desde as eleições de 2020 por enxergar o mal que é Trump para o povo americano e para o mundo.

Rogo que os pretos, latino americanos, mulheres, jovens, gays, e homens progressistas compareçam às urnas, já que o voto não é obrigatório, no que concordo, e façam a diferença. E que enxotem Trump e os New Fascists republicanos. Gente que odeia pobres e que é subserviente à elite mais podre do país.

Kamala Harris presidente!

SÉRGIO CABRAL FILHO – Jornalista e Consultor Político da Tribuna da Imprensa Livre.

Instagram @sergiocabral_filho

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