Redação

O delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva disse nesta segunda-feira, dia 26, ao ser questionado por deputados na Câmara dos Deputados, que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tornou legítima a ação de madeireiros e participou de ato fraudulento para proteger criminosos. Em tumultuada audiência da Comissão de Legislação Participativa, o delegado foi ouvido sobre caso de exploração ilegal de madeira.

Afastado de suas funções após enviar uma notícia-crime contra o ministro e o senador Telmário Mota (Pros-RR), Saraiva falou sobre grande esquema de grilagem e exploração de terras que deveriam ser protegidas na Amazônia. Segundo ele, Salles atuou para minar a credibilidade da Operação Handroanthus, que realizou uma apreensão recorde de aproximadamente 200 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente.

INVERSÃO – “O senhor ministro fez uma inversão, tornou legítima a ação dos criminosos, e não dos servidores públicos (da PF que realizaram a operação). Então, em linhas gerais, e sendo bem preciso, foi isso que nos motivou a fazer essa notícia-crime”, disse.

No dia seguinte à notificação feita pelo delegado, a Polícia Federal anunciou sua substituição no cargo de superintendente do órgão no Amazonas. Segundo o delegado, Salles praticou atos que podem constituir crime. Ele mencionou as críticas feitas pelo ministro sobre a operação realizada em dezembro de 2020 – segundo ele, a postura atrapalhou a PF. No entanto, ressaltou que só fez o pedido ao STF após a ação concreta do ministro.

“Ocorre que (o ministro) não ficou só no discurso. Ele foi até a área, fez uma pseudo perícia de 40 mil toras (de madeira), olhou duas delas e disse que conferiu, que a princípio estava tudo certinho, que as pessoas apresentaram escrituras. E uma semana depois voltou lá, marcou a data para voltar lá. E disse que as pessoas apresentariam a documentação necessária”, afirmou.

COMPROVAÇÃO – Saraiva, então, disse que a extração comprovou-se ilegal. Afirmou ainda que quando os documentos foram reunidos em Santarém, com auxílio de Salles, foi dado um prazo de uma semana para a perícia da PF ser feita e a madeira ser liberada.

“Quando nós recebemos esse material (os documentos). Foi feito na quarta-feira, só chegou para a gente lá em Manaus, no sábado, de madrugada começamos a trabalhar. E quando vi aquele conjunto de documentos, que foi uma reunião organizada ou pelo menos com a participação direta do ministro do Meio Ambiente e, quando aquilo se mostrou uma fraude imensa, onde se buscava erodir a autoridade policial, eu entendi que o correto seria encaminhar a notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal apontando aquele fato”, disse.

Saraiva relembra que, à época da operação, o governo comemorou a apreensão, segundo ele compreendida como “uma iniciativa de combate ao desmatamento ilegal, uma ação bem respondida”.

FRAUDES GRAVÍSSIMAS – “Em seguida começamos a fazer os laudos periciais, imagens de satélite, titularidade de terras, e foram constatadas muitas fraudes, fraudes gravíssimas. Não estamos falando de fraudes simples. Inclusive uma grilagem de terras em larga escala. De tudo que nós detectamos, acredito que isso é o mais grave”, afirmou.

Para explicar a ilegalidade da extração de madeira, o delegado passou a analisar o processo para titulação de terras na região desde a década de 80. Em 1986, o governo do Pará passou a adotar uma política agrária com o objetivo de conceder terras em áreas da União. Essas terras, no entanto, nunca foram legalizadas, justamente por não haver competência do estado para tal.

“É um pressuposto razoável que, para se explorar a madeira, ela tem que sair de uma terra que pertence à pessoa que está explorando. Eu não posso explorar a madeira em uma terra que não me pertence. Então, aqueles processos que autorizaram a exploração daquela madeira possuem um vício de origem insanável. Exploraram uma terra que não pertence a eles, apesar de haver documento da propriedade daquela terra”, disse.

PRESERVAÇÃO – Segundo Saraiva, trata-se de uma questão questão fundiária que “gravíssima”. “A maioria dessas pessoas não são paraenses e não moram no Pará. A maioria, para não dizer todas. Então, essa questão fundiária é muito grave. Mas, além disso, as áreas de proteção permanente não estavam sendo preservadas. Retiradas da área de extração. Não pode, mesmo num plano de manejo, numa área de preservação permanente. Elas foram ignoradas”, afirmou.

O delegado ressaltou ainda que há 40 pontos de extração de madeira na região onde a operação foi feita, mas só em 10 locais foram apresentados documentação.

“Nós temos mais de 70% da madeira apreendida sem dono, não apareceram, ninguém reivindicou. Então, isso é uma coisa muito séria. Se não reivindicou, como o ministro pode dizer que está tudo certo, que a operação da Polícia Federal está errada? Ele tinha todos os laudos periciais da Polícia Federal para fazer juízo de valor. Mais do que isso, a principal empresa que atua na região já recebeu mais de 20 multas do Ibama, deve aproximadamente mais de R$ 9 milhões em multas do Ibama”, finalizou.


Fonte: O Globo