Por Geraldo Pereira

Não sou saudosista na acepção da palavra, mas o passado esta dentro de mim me acompanha, o homem que sou, nunca deixou de lado a criança que fui.

Os hábitos adquiridos estão intactos. Como é difícil desfazer-se deles!

Alguns eu gostaria de dar um tchauzinho, a outros, não, esses me acompanharão até a última morada. Acredito mesmo, que fiz o possível para os meus filhos adotarem, não sei se fui vitorioso. A vida nas ultimas décadas, ficou muito delicada, e, para se viver, viver bem com todos precisamos ser sábios. Como se tornou difícil, o ato fácil de viver!…

É verdade que os oitentões como eu, receberam outra educação, tiveram outros exemplos, outros eram os valores de minha época, como também, outros eram os meios de comunicação, mas, a bem da verdade, é bom que se diga que, não éramos uns bobinhos, se não sabíamos de tudo, sabíamos de quase tudo, e o que é importante, aprendido na escola do dia-a-dia, a escola da vida, essa velha escola que não dá férias a seus alunos.

O meu saudoso amigo, Severino Souto Maior, diretor do jornal da Manhã, sempre me relembrava os tempos idos e vividos, as coisas de antigamente, assuntos em que ele era mestre, ele era de um dialogo árduo e áspero no primeiro instante, como a se precaver contra tudo e contra todos. Ele não se entregava facilmente. Mas, depois, se notava estar diante de gente seria, ai se ganhava um irmão, um papo gostoso numa cidade como São Paulo, onde papos gostosos e irmãos fraternos são como agulhas num palheiro.

Em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, minha primeira professora, chamava-se Eudoxia. A escola ficava no Salão Paroquial da Igreja Matriz, e, como não havia banheiro, usava-se o mais próximo, o da casa da professora. Para usa-lo, o aluno apanhava uma pedra que ficava sobre a mesa da professora. Se a pedra não estivesse no seu lugar, significava estar o banheiro ocupado. Comunicação simples e pratica.

Teto do Altar e interior da Igreja Matriz de Santo Antão. Vitória de Santo Antão – PE

Às 10 horas ela perguntava ao aluno escalado: “Que horas são?”, ele respondia: “são 10 horas”, ela levantava e dizia: “hora do lanche”.

Parece que estou à ve-la: cabelos quase longos, pretos, olhos lindos, vivazes, muito corada, séria, com uma seriedade amável, não transmitia medo, mas compreensão, respeito, disciplina.

Andar firme, de elegante firmeza, não se ouvia os seus passos. Era nova, não tinha mais de 28 anos, solteira, tinha por toda a classe, um carinho muito acentuado. Quando nos chamava a atenção, o fazia de maneira maternal, mas uma voz, paradoxalmente severa e meiga ao mesmo tempo. A severidade era para exigir os deveres bem feitos e a tabuada na ponta da língua, e a meiguice por compreender as nossas idades, o nosso mundo. Quando muito raramente, um ou outro aluno não respondia com seus deveres.

Lembro-me de uma certa feita, era noite, tia Raminha me levou a sua presença em sua casa, queria saber “como é que eu estava”. Recebeu-a com alegria por não saber que não estava sozinha, e, carinhosamente passou as mãos nos meus cabelos, e disse com a máxima seriedade:

“Minha responsabilidade é muito grande, toda a classe tem que passar de ano, eu confio em todos. O Geraldo está indo muito bem”. Alisou novamente os meus cabelos, e, sobre as suas mãos colocou a minha. Saímos. No outro dia, ganhei um caminhãozinho de madeira que há meses estava “namorando”.

Ainda sobre a minha professora Eudoxa e seus ensinamentos: “Quando estiver sentado no banco da igreja, assistindo a missa, no bonde, na “sopa” (era assim que chamávamos os ônibus no interior), deem o lugar aos mais velhos. É bom também, nunca esquecer de ajudar as pessoas necessitadas. Amar a Deus sobre todas as coisas, não responder aos seus pais, nem os mais velhos, assim como não dizer palavrões.

Ser obediente, não falar dos colegas, ser amigo de todos, ser bom esposo, bom pai, bom filho, vocês não esqueçam isso nunca”.

Coisas simples, ditas sempre em termos brandos, com uma doçura gostosa e que sempre ficou registrada na minha memória, na memória de todos os alunos que tiveram a felicidade de tê-la como professora.


GERALDO PEREIRA – Jornalista especializado em história política e sindical do Brasil, atuando por mais de 60 anos nos principais veículos de comunicação do país, ex-presidente do Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.