Por Luiz Carlos Prestes Filho

A Azul é a CIDADE CERVANTINA da Argentina. Conquistou esta denominação no ano de 2007, quando a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconheceu que a extraordinária coleção de 500 edições de “El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha”, do genial Miguel Cervantes, organizada por Bartolomé J. Ronco, é a mais original existente naquele país. Seu valor histórico, cultural, educacional, simbólico e material tem importância para a América Latina e, até mesmo, para a Espanha. Nesta entrevista, exclusiva para o jornal TRIBUNA DA IMPRENSA LIVRE, a Secretária Municipal de Cultura, Educação, Esportes e Juventude, Maya Vena, fala sobre como a localidade atravessou este momento de crise sanitária e cultural. Demonstra como Brasil e Argentina tem preocupações parecidas.

Luiz Carlos Prestes Filho: Muitas transformações políticas e econômicas ocorreram na Argentina no último ano. Como elas influenciaram a gestão cultural de Azul?

Maya Vena: No mês de dezembro de 2019 as administrações dos governos provincial e nacional mudaram. Durante o verão foram aguardadas nomeações de funcionários do governo central e da província de Buenos Aires. Em março iniciou-se um processo de quarentena total em nosso país, isso expôs a real situação de falta de funcionários em várias esferas de governo. Mas as nomeações agora começaram. As linhas de trabalho do Governo da Província de Buenos Aires, criadas durante o verão, foram mantidas. Esta semana recebemos notificaçõs sobre alguns benefícios que serão oferecidos para o setor cultural. O problema é que muitas destas ações são paliativas para a cultura. Ignoraram a informalidade em que vivem artistas, criadores e trabalhadores da cultura.

Prestes Filho: Quais são as principais linhas de ação cultural em Azul?

Maya Vena: Estamos voltados para a nossa identidade – Cidade Cervantina. Também, para o resgate de nossas raízes pampeiras e, diria até, dos próprios pampas de Buenos Aires e da herança do gaúcho Martin Fierro. Da mesma forma, desejamos aprimorar o trabalho do “Salamone”, que é um centro de formação e treinamento de restauradores do patrimônio histórico. Acreditamos que este pode resultar num grande sucesso, do ponto de vista patrimonial e econômico. Criaremos empregos, através do treinamento de novos artesãos que poderão atender, com seus seviços, toda a província. Da mesma forma, estamos desenvolvendo uma ampla pesquisa e produção de material para promover os artistas locais. Por várias razões, estes não possuem material. Com nosso apoio poderão apresentar os seus serviços e comercializar suas obras.

Praça San Martin, Azul (Divulgação)

Prestes Filho: Como Azul se articula com o Governo Central da Argentina. Como acontecem as parcerias para realizações culturais e para recebimento de investimentos?

Maya Vena: Devido a pandemia o nosso país está “paralisado” em alguns setores, não poderia ser diferente na cultura. Não tivemos a possibilidade de gerar novos projetos com o Governo Central, nem de estabelecer uma comunicação que tivesse completa fluência. Desejamos estabelecer parcerias com todos os programas e editais do governo central. É importante que os nossos artistas possam participar.

Prestes Filho: A pandemia Covid 19 interrompeu projetos?

Maya Vena: A cultura não estava preparada para um momento com essas características. Em Azul, por exemplo, era difícil para nós – funcionários públicos da cultura – usar as redes sociais ou as mídias digitais. No caso dos artistas, que não tem a infraestrutura técnica do município, estes foram mais ainda desfavorecidos. Não estavam tecnologicamente preparados e, na maioria dos casos, sem recursos financeiros. Por outro lado, dependendo da linguagem, é muito complexo realizar atividades sem a presença física, como dança, teatro, entre outras.

Prestes Filho: Como o poder municipal colabora para valorização e proteção de seus museus, em especial, da Casa Ronco que guarda uma das maiores coleções de obras de Miguel Cervantes do mundo?

Maya Vena: O caso Casa Ronco é uma particularidade que enobrece a imagem de nossa cidade! Ela depende da instituição mãe, que é a nossa Biblioteca Popular, que, também, cuida do Museu Etnográfico e do nosso Arquivo Histórico. O governo municipal paga os salários de todos os funcionários destas instituições, ou seja, os trabalhadores desses espaços são funcionários municipais. Assim sendo, aliviamos a principal carga de responsabilidade econômica. Além disso, financiamos projetos que as instituições considerem importantes. Por outro lado, nesse contexto de pandemia, nos colocamos à disposição de todos os profissionais da área da Cultura do município. Viabilizamos peças audiovisuais sobre as coleções das instituições acima mencionadas.

Casa Ronco (Divulgação)

Prestes Filho: Destaque alguns nomes notáveis de artistas da cidade de Azul. Eles são conhecidos na Argentina?

Maya Vena: Alguns não estão mais entre os vivos, mas são fundamentais para nossa História: Martín Malharro, Alberto López Claro, César López Claro, María Alex Urrutia Artieda e Ercilia Cestac. Outros são nossos contemporâneos: Omar “Chirola” Gasparini, “Turco “ Chiodi, Marcelo Chiodi, Facundo Gómez Romero, Ana de Benedictis, Juan Olmedo, Marcial Luna, Sergio Fitte, Hugo Boggi, Débora Agudo, Sebastián Achaval, Ximena Gallichio, Juan Canosa, Quique Ferrari, Federico Boaglio, Sergio Wagner, Bernardo Penoucos, Marcos Almada, Luciano y Juan Onetti, Daniela Montesano, Juan Carlos Maddio, Tacún Lazarte, Jorge Sarraute.

Prestes Filho: Existem projetos e programas voltados para o intercâmbio cultural de Azul com países da América Latina?

Maya Vena: O projeto mais importante que nos conecta ao mundo é: “Azul, Ciudad Cervantina”. O país com o qual desenvolvemos intercâmbio é o Ururguai. Montevidéu possui uma grande coleção de obras de Miguel de Cervantes.

Prestes Filho: A cidade está em expansão, ela cresce de maneira planejada?

Maya Vena: A legislação que trata do planejamento urbano é antiga, mas fizemos progressos na proteção do patrimônio arquitetônico de nossa cidade. Protegemos todas as propriedades com valor patrimonial e oferecemos a seus proprietários benefícios fiscais. Parte do trabalho original do grande engenheiro Francisco Salamone se encontra na nossa região. Estamos trabalhando para proteger e valorizar suas obras de arquitetura realizadas em Art Déco.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).