Redação –
Por ordenar a destruição da praça de pedágio da Linha Amarela — via que que liga a Ilha do Fundão, na zona norte, à Barra da Tijuca, na zona oeste da capital carioca — e encampar sua concessão sem o devido processo legal e prévia indenização e desrespeitando decisão judicial, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), pode responder pelo delito de dano, ato de improbidade administrativa e crime de responsabilidade, o que pode levar ao seu impeachment.
Em 25 de outubro, a Prefeitura do Rio notificou a concessionária Lamsa, que administra o contrato da Linha Amarela, sobre o rompimento unilateral da concessão. Dois dias depois, no domingo, servidores da prefeitura estiveram na praça de pedágio, retiraram os funcionários e destruíram as cabines e cancelas.
A juíza Lívia Bechara de Castro, no plantão judiciário, restabeleceu a cobrança de pedágio nos dois sentidos da Linha Amarela. A julgadora também determinou a interrupção da destruição da praça de pedágio.
Crivella então enviou projeto de lei complementar (PLC 143/2019) à Câmara Municipal para encampar a Linha Amarela. Segundo a prefeitura, a empresa teria arrecadado R$ 1,6 bilhão a mais dos motoristas ao longo dos últimos anos. Esse valor seria de R$ 480 milhões, segundo o Tribunal de Contas do Município.
Antes de propor tal medida, porém, o prefeito poderia ter aberto um processo administrativo para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. Se ficasse provado que a Lamsa obteve ganhos irregulares, Crivella poderia reduzir a tarifa do pedágio — R$ 7,50 — ou encurtar o prazo da concessão — válida até 2037.
Outra opção seria declarar a caducidade da concessão. A medida, prevista no artigo 38 da Lei de Concessões (Lei 8.987/1995), pode ser decretada, entre outras hipóteses, quando o serviço estiver sendo prestado de forma deficiente ou quando a concessionária descumprir cláusulas contratuais. No entanto, a caducidade só pode ser declarada ao fim de processo administrativo, no qual seja assegurado o contraditório e a ampla defesa à empresa que explora o serviço público, e mediante o pagamento de indenização.
Mas Crivella partiu para a encampação. De acordo com o artigo 37 da Lei de Concessões, é a retomada do serviço pela administração pública durante o prazo do contrato, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e indenização prévia.
O projeto de lei enviado pela prefeitura à Câmara Municipal estabelecia que a Lamsa não tinha direito à indenização, uma vez que teria lucrado indevidamente com a concessão. Os vereadores aceitaram isso, mas incluíram uma emenda prevendo a criação de uma caução, garantia financeira, caso o município seja condenado a indenizar a concessionária. Na terça-feira (5/11), a Casa Legislativa aprovou, em segundo turno, a PLC 143/2019.
Um dia depois, a 6ª Vara de Fazenda Pública do Rio concedeu tutela de urgência para ordenar que a capital fluminense não dê continuidade ao processo de encampação da Linha Amarela, autorizado pela Lei Complementar 213/2019, nem interfira na operação da via.
Medida irregular
Do jeito que conduziu o processo de encampação da Linha Amarela, Crivella pode responder pelo delito de dano, ato de improbidade administrativa e crime de responsabilidade. O prefeito cometeu infração deste último tipo ao desrespeitar a Constituição, a Lei de Concessões e decisão judicial, afirma o professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Gustavo Binenbojm, sócio do Binenbojm, Gama & Carvalho Britto Advocacia.
O Supremo Tribunal Federal equipara o ato de encampação de uma concessão a uma desapropriação, explica Binenbojm. Dessa maneira, a medida exige uma indenização prévia, justa e em dinheiro, conforme o artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição. E o valor dela tem que ser definido pelo Judiciário, no fim de processo em que a concessionária tenha direito de defesa.
“Toda desapropriação é feita perante o Judiciário. É o Judiciário que vai arbitrar o valor da justa indenização, ao fim de um processo em que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa. A própria Prefeitura do Rio calculou o valor e disse que não deve nada. Foi um cálculo unilateral da prefeitura. Nenhuma tomada de direito de propriedade pode ser feita pelo uso da força do poder público no Brasil. Até a desapropriação por uso de drogas ou trabalho escravo e o perdimento de bens que são produto de crime dependem de autorização judicial. Por que a encampação poderia ser feita manu militari pelo Poder Público, sem devido processo legal?”, questiona o professor da Uerj.
Ao descumprir regras constitucionais, legais e judiciais — o entendimento do STF sobre encampação e as decisões da Justiça fluminense proibindo o prosseguimento do processo de encampação da Linha Amarela —, Crivella, pode responder pelo crime de responsabilidade de descumprir decisão judicial (artigo 1º, XIV, do Decreto-lei 201/1967) e pela infração político-administrativa de praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência (artigo 4º, VII, do Decreto-lei 201/1967 — que estabelece as infrações de responsabilidade de prefeitos e vereadores e os procedimentos para apuração e julgamento delas).
O ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório, sócio do Medina Osório Advogados, entende que Crivella pode responder por crime de responsabilidade e infração político-administrativa por ordenar a quebra da praça de pedágio da Linha Amarela.
“A tendência do Direito Administrativo moderno é construir relações público-privados balizadas pelo princípio de interdição a arbitrariedade do Poder Público, devendo ser combatidas cláusulas leoninas e atitudes abusivas de gestores públicos, que só oneram indevidamente o Estado e impedem o desenvolvimento econômico. Regras como a boa-fé objetiva e a moralidade administrativa exigem dos gestores respeito a uma série de direitos fundamentais”, opina Medina Osório.
Por ordenar a destruição do complexo, Crivella poderia responder pelo crime de responsabilidade de “utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos” (artigo 1º, II, do Decreto-lei 201/1967) e pela infração político-administrativa de “proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo” (artigo 4º, X, do Decreto-lei 201/1967).
Nesse cenário, a Câmara Municipal poderia abrir um processo de impeachment contra Crivella e, eventualmente, destituí-lo.
Fonte: ConJur, por Sérgio Rodas
MAZOLA
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