Por Siro Darlan

Mangueira, essa comunidade de gente tão amável, hospitaleira, acolhedora trás para esse carnaval de 2020 uma verdadeira oração em forma de samba. Santo Agostinho dizia que quem canta reza duas vezes. É assim que a Mangueira vai entrar na Sapucaí, local tido por alguns como palco para o pecado, Mangueira faz diferente e abençoa a passarela com um samba oração. Mangueira eu estarei do seu lado e do lado do samba também porque os compositores de uma forma inusitada e poética repete as palavras bíblicas cantando que Jesus é de toda gente, seja branco, negro, homem, mulher, índio ou moleque pelintra do Buraco Quente.

Essa é a verdade que nem todos querem ouvir e por isso tantas vezes com nossos preconceitos e atos de desamor cravejamos de novo seu corpo santificado e o penduramos em cordéis e corcovados. Mas ele insiste em vir para todos, de todas as formas, ora com a doçura e a beleza das flores e das mulheres, ora com o sofrimento que conhece tão bem por herança de seu pai carpinteiro desempregado e sua mãe Maria das Dores Brasil, que tão bem representa as mulheres sacrificadas, não apenas as operárias e mães da comunidade, mas todas as mulheres que sofrem violência em seus corpos e na de seus filhos que são presos a assassinados por uma política que usa a força para a exclusão social.

Mas a Escola vem com sua pujança de sempre que tanto orgulha os mangueirenses, de peito aberto e punho cerrado, como sinal de resistência e luta para mudar as desvantajosas condições sociais que não aceita a violência como discurso fundamentalista. O canto prega a fraternidade que enxuga o suor do trabalhador que sua, o amor que não encontra fronteiras e vai as raias da fraternidade cristã como Cristo pregou. As alas se enfileiram contra a opressão e olha com orgulho para seu pavilhão verde e rosa para anunciar o Jesus da Gente.

Jesus da gente que era humano como somos nós, que amava homens e mulheres como nós nos apaixonamos, que era negro, até por ser palestino e não ariano, que era homem e mulher porque sua santidade não era de fazer distinções, que ceiou com operários analfabetos aos quais escolheu para dar continuidade à sua Igreja, com prostitutas e leprosos, significando que nunca se esquivou de estar com quer que fôsse. Mas será que todo povo entendeu o seu recado? Certamente que não. Assim como tem muitos hipócritas e fariseus, os mesmos que viviam tentando Jesus, protestando contra o samba da Mangueira. Mas eu faço fé na minha gente, que apesar dos profetas da intolerância, sabem muito bem que a esperança, brilha mais na escuridão. Portanto minha querida Estação Primeira eu estarei do seu lado e do lado do samba também. Axé!


*Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia