José Carlos de Assis –
Começou a contagem regressiva para mais uma rebelião popular na Argentina.
As medidas inaugurais de Milei, centradas no aumento de combustíveis, transportes, retirada generalizada de subsídios e desvalorização de 50% do dólar farão disparar uma inflação já extremamente alta, beirando os 200%. Ao mesmo tempo, o enxugamento do Estado com a paralisação das obras públicas devem acelerar o desemprego, o subemprego, a fome e a miséria.
O povo argentino é dado a rebeliões contra o governo, em situações extremas. Assim aconteceu com De La Rúa, que herdou o descalabro do governo neoliberal de Carlos Menem, cerca de duas décadas atrás. Governou pela metade do mandato e fugiu do palácio presidencial de helicóptero, quando as ruas de Buenos Aires foram tomadas por uma população em fúria diante da alta inflação e do chamado corralito,
um conjunto de medidas para restringir saques bancários.
Houve cinco presidentes em menos de dez dias. O país havia se tornado virtualmente ingovernável. O povo cunhou a expressão que se vayan todos, ou seja, que todos se vão, para expressar sua insatisfação com os políticos. É isso que acabou de se repetir agora, já que foi em razão da baixa credibilidade dos políticos tradicionais que Milei ganhou a eleição. Contudo, como conseguirá governar? Não falo da minoria parlamentar absoluta. Falo do tipo de medidas que quer impor.
A imposição à Argentina de mais um ciclo de políticas neoliberais é um convite à rebelião. Os militares estão tão desgastados desde a ditadura e a guerra das Malvinas que não ousarão interferir. Mas o povo reagirá de alguma forma. E isso, curiosamente, está dentro dos parâmetros da democracia clássica. Locke, Hume e outros filósofos fundadores da democracia defendiam o direito do povo se rebelar contra governos que traem seus compromissos com o povo.
Milei se baseou no mesmo que se vayan todos dos argentinos que se revoltaram com as políticas tradicionais fracassadas das diferentes vertentes do peronismo. Entretanto, justamente porque ganhou as eleições, corre o risco de perder rapidamente o poder. Pela natureza de suas primeiras medidas, e pela profundidade da crise argentina, não há hipótese de que ponha a casa em ordem com políticas neoliberais. Será uma frustração para o povo.
Portanto, que se vaya também este!
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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