Redação

Mais de 6.000 famílias brasileiras foram despejadas de casa durante a pandemia de covid-19. O mapeamento de dados sobre despejos e remoções no território nacional foi feito por mais de 40 entidades que integram a Campanha Despejo Zero, lançada em julho deste ano, e que pede a suspensão de tais processos durante a pandemia.

Os governos –prefeituras, estados e o sistema judiciário– não poderiam estar, neste momento de pandemia, retirando as famílias de suas moradias, qualquer que seja a moradia em que  estejam, porque a orientação mundial é que as famílias fiquem em casa. [Porque] você está aumentando a vulnerabilidade de famílias que já deveriam ter sido acolhidas por políticas públicas de habitação e não foram”, disse a coordenadora da equipe de urbanismo do Instituto Pólis, Margareth Uemura. O Pólis é uma das entidades que integram a campanha.

Foram identificados mais de 30 casos de despejo durante o período de 1º de março a 31 de agosto, atingindo 6.373 famílias. Segundo Margareth, o Poder Público é parte responsável pela situação, já que deve dispor de uma política habitacional com a devida atenção a essa população mais vulnerável.

O levantamento foi feito a partir de informações recolhidas pelas instituições que formam a campanha por meio de denúncias, formulários online e banco de dados do Observatório das Remoções e defensorias públicas.

A campanha se constituiu justamente porque o governo federal, a Presidência da República, não tomou nenhuma medida de impedir que isso acontecesse. Os deputados federais fizeram 1 projeto de lei [PL 1.975/20 – 88kb], que está lá na Câmara dos Deputados tramitando justamente solicitando que esses deslocamentos, essas remoções, não sejam feitos durante a pandemia”, disse Margareth. O projeto de lei ainda não foi votado.

O Amazonas concentrou 47% dos casos, com 3.000 despejos. São Paulo também teve grande número de famílias removidas de casa: foram 1.681 despejos, o equivalente a 26% do total de casos. Também foram constatadas remoções em Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe e Roraima, no Paraná, em Santa Catarina, no Maranhão e Rio Grande do Norte, em Goiás, no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

O mapeamento revelou que a principal justificativa para os despejos foram as reintegrações de posse, conflitos com proprietários e impacto devido a obras públicas. A retirada das famílias ocorreu apesar das orientações da Comissão de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas). Em julho deste ano, o relator especial sobre Moradia da ONU, Balakrishnan Rajagopal, emitiu manifesto em que pedia o país parasse com os despejos e remoções enquanto perdurar a pandemia de covid-19.

Temos a OMS [Organização Mundial de Saúde] dizendo que a melhor medida é proteger as famílias e que elas fiquem em casa. E temos ainda a orientação da ONU, tanto do relator Balakrishnan Rajagopal, como orientação do Alto Comissariado dos Direitos Humanos para também não ter essas remoções. É [para] paralisar as remoções no período de pandemia”, disse Margareth.

Em 4 de setembro, durante ato online organizado pelo Instituto Pólis, Plataforma Global pelo Direito à Cidade e pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos (Dhesca Brasil), representantes de movimentos sociais e de organizações da sociedade civil entregaram a Rajagopal o levantamento e denunciaram o Brasil pelos despejos, remoções e violação de direitos.

AMEAÇAS

A campanha registrou 85 ameaças de despejo no mesmo período, que atingiriam 18.840 famílias. A maioria dos casos foi identificada em São Paulo, onde os pedidos de remoção podem afetar 4.853 famílias, 25,75% do total. Aparecem em seguida os estados do Rio Grande do Sul (3.340), de Pernambuco (2.393), do Piauí (2.000), da Bahia (1.808), do Rio de Janeiro (1.626) e de Minas Gerais (1 mil).

Margareth disse que a campanha conseguiu que 10 casos de ameaças de despejo fossem revertidos. “Muitos desses casos foram suspensos por pressão popular e pressão da campanha. Quanto às famílias que estão ameaçadas, a gente tem trabalhado no Judiciário e nos governos para que elas [ameaças] sejam revertidas.”, afirmou.

OUTRO LADO

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que recebeu, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, cópia da carta da ONU assinada pelo relator especial, solicitando esclarecimentos sobre casos de despejo no estado de São Paulo, no contexto da pandemia de covid-19. “Em 28 de agosto de 2020, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apresentou subsídios ao MRE, conforme contribuições de órgãos do governo federal, do governo do estado de São Paulo e do Poder Judiciário”, diz nota do órgão.

A pasta dos Direitos Humanos confirmou que recebeu outro documento, também assinado pelo relator especial, sobre o direito à moradia adequada, com solicitação de informações sobre remoção das famílias de integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) do assentamento Quilombo Campo Grande, no estado de Minas Gerais. Segundo nota do ministério, o Estado tem prazo até o dia 19 deste mês “para envio de manifestação, que está em fase de elaboração”.

No texto, o ministério acrescenta que tem desenvolvido ações para proteção e garantia de direitos. “Estamos trabalhando no desenvolvimento do programa Moradia Primeiro, que consiste em uma proposta para as políticas de habitação, trabalho, assistência social e saúde”, diz a pasta. Segundo informações do ministério, o programa Moradia Primeiro é destinado à população em situação de rua. (Com informações da Agência Brasil)


Fonte: Poder360