Por José Carlos de Assis

Não há lógica ou coerência por trás das opiniões dos economistas de mercado. Há interesses.

E foi na defesa dos interesses das classes dominantes que um dos mais arrogantes economistas de mercado, Armínio Fraga, participou há dias, no Senado, de um debate com Roberto Campos Neto e Fernando Haddad. Pobre do Haddad. Sozinho, teve que se defender de dois sabotadores da política econômica brasileira, ambos representando o mesmo lado de uma visão cínica da política econômica.

Fraga sustenta que propor a redução da taxa de juros básica, a Selic, que Campos Neto mantém no nível exorbitante e sem paralelo no mundo de 13,75%, é como querer submeter a economia a uma “mágica”, com consequências piores do que o mal inflacionário que se pretende combater. Assim como Campos Neto, ele acha que só há um jeito de atacar a inflação. O jeito que ambos defendem, como economistas de mercado. Justamente o jeito que tem as piores consequências econômicas e sociais.

Infelizmente, a contestação de Haddad a esses dois economistas também não satisfaz. Também ele está amarrado a um dos piores fetiches neoliberais, a ideia de que o governo não pode ter déficit fiscal. Com isso, acaba sancionando a terapia que os economistas de mercado recomendam para controlar a inflação, ou seja, reduzir o consumo/demanda monetária, para se adequar a uma produção/oferta menor. Isso leva a uma queda do investimento, da renda e do emprego, criando um círculo vicioso.

O “arcabouço fiscal” que Haddad enviou ao Congresso segue essa lógica. Também ele se enquadra na concepção neoliberal de que não pode haver déficit público, pois ele aumenta a demanda monetária. Entretanto, por estar limitado por travas políticas deixadas pelos últimos governos, sobretudo de Temer e Bolsonaro, o ministro teve de fazer o possível para contemporizar com as classes dominantes e seus porta-vozes no mercado financeiro, como Armínio Fraga e o próprio presidente do BC.

Se estivéssemos diante de uma questão técnica, e não de poder político, poderíamos sustentar que o combate à inflação deve ser feito, ao contrário, pelo lado do aumento da produção/oferta. Isso exigiria menores, e não maiores taxas de juros. A consequência seria mais investimento, mais renda e mais empregos, que por sua vez implicaria mais investimentos, num círculo virtuoso, levando ao desenvolvimento econômico autossustentável da economia, em ritmo acelerado.

Não é qualquer país que pode estimular a produção/oferta em nível adequado para equilibrar o consumo/demanda. O Brasil pode.

Ele tem imensos recursos naturais para suportar o aumento da capacidade produtiva, e amplas reservas internacionais para importar máquinas, equipamentos, serviços e tecnologia, de que venha a precisar no processo produtivo. Do lado monetário, essas reservas serviriam como garantias para os empréstimos a juros baixos, necessários para cobrir o eventual déficit externo.

Não entendi por que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não procurou ao menos equilibrar a discussão na Casa, colocando Haddad e o presidente do BC entre um economista de mercado e um progressista. Se queria esclarecer os senadores a respeito de política fiscal-monetária, a principal questão que está em jogo, deveria ter buscado alguma forma de equilíbrio entre as correntes econômicas. Há no país pelo menos 4 mil economistas com doutorado que assinaram um manifesto contra os juros!

Como ficou constituída a mesa, o debate se tornou uma farsa. Isso porque o próprio Haddad não apresentou claramente uma alternativa à política monetária de juros altos, como mencionado acima. Seu arcabouço fiscal é um remendo que se limita a criar, idealmente, condições teóricas para baixá-los. Ninguém pode garantir como funcionará na prática. A retomada do crescimento dependerá do que os economistas de mercado chamam de “expectativas racionais” dos produtores e consumidores.

A economia que chamam “de mercado” é exclusivamente em favor dos ricos. Trata-se de uma economia subjetiva, submetida ao apetite dos poderosos por acumulação de títulos públicos remunerados pela indecente Selic, paga pelo governo. Adianta muito pouco a discussão técnica em torno dela. O “debate” sempre será ganho pelos economistas que se comportam como leões de chácara dos ricos e poderosos senhores da dívida pública, outro conceito manipulado contra o povo.

De fato, quando alguém como Armínio Fraga sustenta que as taxas de juros são altas porque a dívida pública é alta, e o mercado puxa as taxas por desconfiança de que não será paga, trata-se de uma mistificação em pelo menos dois níveis. Primeiro, a taxa Selic é o fator que mais influi no aumento da dívida pública. Segundo, esse aumento exagerado deveria afugentar os investidores na dívida, por desconfiança. Entretanto, na prática acontece exatamente o contrário.

Estamos, assim, num grande picadeiro, onde economistas laureados no exterior com títulos de PHD usam suas credenciais acadêmicas para enganar os trouxas com suas mágicas de circo. As coisas seriam mais simples se dissessem com franqueza: a taxa Selic é alta porque Roberto Campos, descendente do maior privatista brasileiro, foi colocado na presidência do BC para sabotar a política do governo Lula em favor dos ricos.

E gente como Armínio está sempre por perto, para ajudá-lo nos truques.

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JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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