Redação –
Com a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT ingressa em um novo capítulo de sua história, tentando agora se recuperar da derrota sofrida nas urnas nas eleições de 2018 para o presidente Jair Bolsonaro.
Ao programa de entrevistas da Folha e do UOL, no estúdio compartilhado em Brasília, o líder do partido no Senado, Humberto Costa (PT-PE), reconhece que é preciso falar para além de sua bolha, em um esforço para recuperar a parcela do eleitorado perdida.
“Nosso discurso tem que se dirigir não somente para um terço que gosta e vota no PT, mas para mais de 50% da sociedade que já, inclusive, votou no PT”, diz Costa. Segundo ele, Lula elevou o tom no discurso ao sair da prisão, mas deve buscar o diálogo com o país. O senador ainda defendeu uma aliança da esquerda nas eleições municipais de 2020.
RECONQUISTA – Estamos sob ataque desde 2015, quando ganhamos a eleição. Já estávamos sob ataque, mas esse mais cerrado, que culminou com impeachment [de Dilma] e com a proibição de Lula ser candidato, com a prisão dele, nos obrigou a nos fecharmos em copas, darmos uma ordem unida à nossa tropa de resistir. Isso permitiu, inclusive, que o PT sobrevivesse e disputasse a eleição de 2018.
Estamos ainda muito contaminados por esse discurso. Aos poucos, o partido vai saindo dessa posição e compreendendo que não podemos continuar falando só para aquele terço da população que é a nossa base social.
DISCURSO – Já temos praticamente um terço da sociedade que não está dando apoio ao governo Bolsonaro e uma parte desse um terço já esteve conosco em alguns momentos. Nosso discurso tem que se dirigir não somente para um terço que gosta e vota no PT, mas para mais de 50% da sociedade que já, inclusive, votou no PT.
Temos que adequar nosso programa, nosso projeto, a nossa linguagem. Acredito que vamos conseguir construir um discurso para reconquistar uma parte importante da sociedade.
LULA LIVRE – Além de ser uma liderança de peso, Lula conversa e dialoga com amplos setores da sociedade. O Lula que encontramos nestes primeiros momentos é alguém que estava há quase 600 dias preso injustamente, num processo que contém vícios gigantescos. Ele desabafou, nominou os responsáveis pelo que ele viveu.
Ele vai manter um tom elevado no sentido do enfrentamento que temos que dar a Bolsonaro. Agora, eu acho que Lula vai procurar abrir um diálogo importante no Brasil.
DISCURSO RADICAL – Alguém no Brasil incitou mais a violência do que Bolsonaro? Defendeu torturadores, apregoou o assassinato do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, falou que se poderia matar 40 mil brasileiros, já propôs fechar o Congresso Nacional, já propôs fechar o Supremo.
E Lula que é radical? Lula que está ameaçando a segurança nacional? Pelo amor de Deus.
PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA – Não boto muita fé nisso. A Constituição é muito clara quando estabelece algumas cláusulas pétreas. As duas [PECs, propostas de emenda à Constituição que tramitam na Câmara e no Senado] procuram encontrar um atalho para negar a Constituição.
Com toda certeza, não vai haver uma acolhida por parte do Supremo Tribunal Federal. As pessoas que estão hoje no Parlamento e no governo interessadas nisso não é porque querem que as pessoas vão para a cadeia. É porque não querem que Lula esteja solto.
HEGEMONIA DO PT – O PT realmente já teve muitos momentos que poderia ter sido mais aberto ao entendimento. Um bom momento em que essa aprendizagem pode se manifestar será nas eleições do ano que vem.
Não que o PT se dilua e apoie candidaturas de outros partidos em todos os lugares, mas que possa ter a generosidade necessária para ser merecedor também do reconhecimento das outras forças políticas.
FRAGMENTAÇÃO DA ESQUERDA – Avaliávamos que seria mais difícil compor uma frente política no início deste governo Bolsonaro. Dados o resultado eleitoral e a postura que o PDT e Ciro [Gomes, candidato do partido ao Planalto em 2018] tiveram, achávamos que ia ser difícil construir essa oposição. No entanto, conseguimos construir.
Haverá um encaminhamento para que nós possamos ter uma candidatura competitiva que envolva todos os segmentos em 2022. Defendemos que este nome seja Lula. Vamos lutar para que ele tenha a recuperação integral dos seus direitos políticos. Certamente isso será objeto de uma discussão que vai envolver todo mundo.
A conjuntura vai ditar como as coisas acontecem. A esquerda tem uma plêiade de nomes para essa disputa. A unidade entre esses setores é o que faz a diferença para dar a esse candidato mais força.
ELEIÇÃO PRESIDENCIAL – Não consigo ver no centro político uma postura firme que lhe dê um protagonismo para entrar nessa disputa. Hoje, algumas alianças ao centro são difíceis.
Uma aliança mais global, sem ser pontual, com o MDB é difícil porque, em que pese haja um número razoável de parlamentares que não concordam integralmente com as políticas de Bolsonaro, mas o MDB tem sido, pelo menos no Senado, uma força que tem defendido nesta agenda.
ELEIÇÕES 2020 – Para a eleição do ano que vem devemos compor uma articulação que envolva PT, PSB, PC do B, PDT e PSOL. Teremos um discurso político comum de derrotar a extrema-direita e o bolsonarismo. O importante é que os candidatos que estejam nessa disputa vocalizem essa posição e deem um tom nacional a essa disputa.
No que diz respeito ao centro, podemos ter uma postura de dizer claramente que, em qualquer disputa onde esteja a extrema-direita e outras forças, poderemos apoiar outras forças.
APATIA DA POPULAÇÃO – Não quero fazer nenhuma comparação e muito menos defender o mesmo modelo de resistência, mas, no Chile, quantos anos foram para este mal-estar da sociedade se manifestar? Foram décadas.
Acho que, no Brasil, essas insatisfações têm uma grande chance de se manifestar nas eleições de 2020. O ideal é que nós evitemos isso [convulsão social], que impeçamos que haja um aprofundamento tão brutal da desigualdade como está se avizinhando que termine levando as pessoas ao desespero.
Fonte: Folha/UOL, por Daniel Carvalho e Hanrrikson de Andrade
MAZOLA
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