Por Ricardo Cravo Albin

A tragédia que está a ocorrer no Rio Grande do Sul me fez voltar a mente às impressões cheias de sabedorias do escritor norte-americano John Dos Passos, isso lá pelos meados de 1962 quando o ciceroneei no Rio a pedido de Enaldo Cravo Peixoto.

Dos Passos já conhecia e gostava muito do Rio desde 1948 quando a revista Life o contratou para uma grande reportagem sobre a América do Sul. Ele, já então, figurava no primeiro time da imprensa americana desde a cobertura da Guerra Civil Espanhola. Ademais, seus livros já o indicavam como um dos principais romancistas do Séc.XX. Pois bem, Dos Passos deixaria muito claro o seu interesse por dois assuntos. O primeiro e mais insistente era sua preocupação com o escoamento das águas no Rio em casos de temporais extremos. Ele me questionava desafiadoramente – “ O que ocorrerá na cidade se a Baía de Guanabara transbordar? ainda bem que vocês não tem aqui um rio caudaloso margeando a cidade”. O segundo assunto de seu interesse era visitar Oscar Niemeyer, de quem ele se declarava admirador desde a inauguração de Brasília. O que cumpri logo depois de visitar com ele uma favela, o que, aliás, o levou a me declarar sua inquietação com a ocupação das encostas do Rio, maior a cada visita sua.

O Rio de Janeiro sempre foi saudado, especialmente por estrangeiros, mas também pelos cariocas que o amamos, como a raríssima cidade em que morros e montanhas quase tocam o bordado de suas praias e lagoas. Acode- me até registrar a frase eloquente que ouvi ser emitida por dos Passos “Eu nunca vi tamanha conjunção carnal de belezas naturais, com essas encostas verdes se debruçando sobre o mar, como a beijar as tetas sensuais de suas praias e lagos”.

Pois o Rio, nessas ultimas quatro/cinco décadas de pouca sensibilidade para administrá-lo, vem sofrendo vários castigos que, imerecidos, são provocados por seus administradores, muitas vezes bisonhos, provincianos e incapazes de lidar com a sua grandeza.

Não quero me referir agora à vergonhosa poluição da Guanabara, nem tampouco à desordem e feiura urbana que os camelôs e mafuás provocam nas ruas e nas praias.

O assunto deste artigo são as encostas do Rio, o ponto crucial de sua beleza e também de sua definição como cidade- mulher, “única e ondulante nas formas redondas”, como a ela se referiram os poetas Orestes Barbosa e Noel Rosa.

Pois bem, essas encostas, que abrigavam uma luxuriante Mata Atlântica, vêm sendo ocupadas indevidamente, e não nesses tempos de agora. O que espanta é a sistematização da destruição, o que comove é que em plena década de hoje quando a consciência ecológica é assunto prioritário nas escolas primárias, a gente vê as encostas sendo ocupadas sem uma aparente grita generalizada, seja das associações de bairro, seja dos administradores da cidade.

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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