Por Jorge Folena –
Está em curso uma operação para tentar anistiar os integrantes da Lava jato por todas as violações praticadas por eles e, assim, jogar no esquecimento os males causados pela nefasta organização, constituída dentro da estrutura do poder público brasileiro e com a colaboração de agentes internacionais.
É de conhecimento geral que, em 16 de março de 2016, o telefone do Palácio do Planalto foi ilegalmente interceptado e a conversa mantida entre a Presidente da República Dilma Rousseff e o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva foi gravada e, no mesmo dia, liberada pelo ex-juiz federal Sergio Moro (responsável pela condução dos processos da Lava Jato na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba) e divulgada no Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão. Isto ocorreu três dias depois de Dallagnol declarar a Moro que ele já não era mais “apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro, cujos sinais” conduziriam “multidões”, conforme diálogos liberados pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.
O falecido Ministro Teori Zavascki, relator da Reclamação número 23.457, proposta pela Presidente da República no Supremo Tribunal Federal, manifestou em sua decisão sobre a violação que: “…o juízo reclamado (13ª Vara Federal Criminal de Curitiba) … deixou de encaminhar a este Supremo Tribunal Federal o procedimento investigatório para análise do conteúdo interceptado. E, o que é ainda mais grave, procedeu a juízo de valor sobre referências e condutas de ocupantes de cargos (Presidente da República)”.
Sergio Moro sabia que agia de forma contrária à lei, porque não podia decidir sobre atos da Presidência da República (cuja competência é do STF) e também porque a lei das escutas telefônicas (Lei 9.296/96) proíbe expressamente a divulgação de qualquer conversação interceptada (que deve ser mantida em sigilo, em respeito à intimidade, à privacidade e à presunção de inocência, garantidas pela Constituição).
A divulgação do referido áudio, ilegalmente autorizada pelo mencionado juiz, provocou a ocorrência de distúrbios em várias ruas e cidades brasileiras (na denominada “noite da balbúrdia”), levando o caos à ordem política e social e à segurança pública, com veículos incendiados e pessoas agredidas simplesmente por estarem vestindo camisas na cor vermelha.
Neste ponto, o referido ex-juiz federal, em plena consciência do seu ato, promoveu uma convulsão social e estimulou a desordem no país (além de violar a Lei 9.296/96).
Ao contrariar a ordem democrática e o estado de direito, atentou contra a instituição da Presidência da República e, o mais grave, atacou a Constituição, que proíbe esse comportamento indevido e inerente a agentes autoritários; acrescente-se o fato de que esses acontecimentos abriram as portas para a conspiração que conduziu ao impedimento de Dilma Rousseff; o que, sem dúvida, enfraqueceu a ordem constitucional de 19881 e, desde então, jogou no caos a democracia brasileira.
A Revista Consultor Jurídico divulgou em 17 de março de 20162 (um dia após a interceptação ilegal do telefone do Palácio do Planalto) que, a pedido da Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba, o ex-juiz federal responsável pelo caso tinha determinado a quebra do sigilo telefônico do escritório de advocacia que faz a defesa do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva (Pedido de Quebra de Dados e/ou Sigilo Telefônico número 5006205-98.2016.4.04.7000/PR).
Em ato de extrema gravidade, no pedido da referida Força Tarefa e na decisão do ex-juiz, utilizaram de forma dissimulada a empresa LILS Palestras como sendo a investigada e titular do telefone (11) 3060-33XX, quando o referido número era do escritório do advogado que conduz a defesa do ex-Presidente Lula e, mediante essa manipulação, interceptaram diversas ligações do escritório com seus clientes.
Na verdade, foi uma desmedida violação às prerrogativas da advocacia e representou uma agressão à atividade, que é indispensável à Administração da Justiça e tem seus atos como invioláveis, nos termos da Constituição, como forma de garantia do Estado Democrático de Direito.
Essas condutas dos integrantes da Força Tarefa e do ex-juiz federal revelam-se reprováveis e devem, assim, ser aprofundadas para responsabilizá-los (criminal e administrativamente) pelos ataques que desferiram contra as prerrogativas da advocacia, que são necessárias para a garantia da ordem democrática.
Como se não bastasse, às vésperas da eleição de 2018, o ex-juiz federal também levou a público uma delação de Antônio Palocci, mediante o estratagema de anexar ao processo o depoimento da delação de Palocci, sem que nenhum dos advogados de defesa tivesse solicitado isso.
Este fato teve forte influência na campanha eleitoral para a Presidência da República (cujo vencedor e eleito Presidente da República foi Jair Messias Bolsonaro). Lembramos que não é papel de magistrados atuarem politicamente ou interferirem em eleição; sendo expressamente proibido pela Constituição aos juízes se dedicarem à atividade político-partidária.
O episódio traz à lembrança, mais uma vez, a manifestação de Deltan Dallagnol para o ex-juiz Sérgio Moro: “… Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (…). Seus sinais conduzirão multidões…” e o desejo manifestado por Deltan, em 2017, de “promover um grau de renovação política”, como divulgou a Revista Consultor Jurídico em 01/02/2021.
Logo após o segundo turno da eleição de 2018, no dia 06 de novembro, o ex-juiz federal (ainda no exercício da magistratura e no comando dos processos da Operação Lava Jato) reuniu-se com Jair Bolsonaro.
É estarrecedor que, além de liberar uma delação com o poder de influenciar na vontade dos eleitores, o ex-juiz federal, ainda no exercício do cargo e a poucos dias da realização do segundo turno da votação, tenha se reunido com o candidato vencedor da disputa presidencial, vindo logo em seguida a fazer parte do seu governo, num nítido projeto de poder político, executado quando ainda magistrado, e pelo qual levou à prisão o principal opositor de Jair Bolsonaro, que era exatamente o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, acusado pela Força Tarefa da Lava jato.
O governo que Sérgio Moro e a força tarefa da Lava Jato ajudaram a construir é o mesmo que, desde 1º de janeiro de 2019, ataca quase que diariamente a ordem constitucional; ameaça as instituições políticas, como o Parlamento e o Supremo Tribunal Federal; agride a imprensa e as entidades da sociedade civil (como a Ordem dos Advogados do Brasil), os povos indígenas e quilombolas, as comunidades GLBTQI e as mulheres, além de tentar sistematicamente acuar os seus opositores com pedidos de investigação policial com base na Lei de Segurança Nacional da ditadura.
As nefastas ações da Lava Jato contribuíram para eleger um presidente que apoia a queimada das florestas; permite a disseminação da COVID-19 pelo país, pois nada faz para combater a doença que já matou milhares de brasileiros; e defende o armamento indiscriminado dos seus apoiadores, numa clara ameaça à ordem democrática e institucional, representada pelos mais de sessenta pedidos de impeachment formulados contra o ocupante da Presidência da República.
Muitos brasileiros já foram prejudicados, reputações foram destruídas e vidas foram perdidas, como as de Dona Marisa Letícia, perseguida por ser esposa do ex-presidente Lula da Silva (e que, mesmo depois do seu óbito, continuou tendo o seu nome enxovalhado pela Lava jato), e de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, que se suicidou após ser injusta e indevidamente encarcerado em decorrência desta nefasta operação.
Com o passar dos dias, fica muito claro que a Força Tarefa da Lava Jato utilizou os mecanismos judiciais de repressão para perseguir inimigos políticos e serviu para projetar politicamente seus participantes, que tinham a pretensão de promover, na eleição de 2018, a “renovação na política” manifestada por Deltan Dallagnol3.
Sua atuação favoreceu a eleição de parlamentares que chegaram ao ponto de ofender criminalmente os ministros do Supremo Tribunal Federal e o próprio Tribunal, gente que defende abertamente o retorno do draconiano Ato Institucional número 05, de 13 de dezembro de 1968, como fez o Deputado Federal Daniel Silveira, do PSL do Rio de Janeiro.
Os integrantes da Lava jato, por meio de uma sucessão de atos notórios, praticaram uma série de violações à Constituição, que levaram à fragilização da ordem democrática, implantada a partir da Nova República, que hoje permitem que as instituições políticas sejam cotidianamente ameaçadas.
Sob o falso argumento de combate à corrupção, promoveram seletivas perseguições políticas, por meio de uma perigosa e articulada organização que se formou dentro da estrutura estatal repressiva e que tinha fins políticos particulares4.
Para alcançar seus objetivos, interferiram diretamente nas eleições presidenciais de 2018 e favoreceram a vitória de Bolsonaro e da extrema direita, que hoje ameaçam e atacam abertamente as instituições políticas, a democracia e a vida dos brasileiros.
Por toda a destruição que promoveram conscientemente, os integrantes da Lava Jato (Força Tarefa de Curitiba e o ex-Juiz Federal da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba) não podem ser perdoados sob nenhuma hipótese e devem responder pelos atos de instabilidade institucional que causaram e causam até hoje ao país, em atentado direto à ordem constitucional e ao Estado Democrático de Direito.
***
1 Folena de Oliveira. O desmanche da Constituição e das instituições. Revista Consultor Jurídico, 13 mar 2018. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-mar-13/jorge-folena-desmanche-constituicao-instituicoes-politicas
2 Disponível em https://www.conjur.com.br/2016-mar-17/25-advogados-escritorio-defende-lula-foram-grampeados Acesso em 01 mar 2021
3 https://www.conjur.com.br/2021-fev-01/deltan-articulou-renovacao-politica-eleicoes-2018
4 Deltan Dallagnol manifestou para o então juiz Sérgio Moro: “… Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (…). Seus sinais conduzirão multidões…”.
JORGE FOLENA – Advogado e Cientista Político; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros e membro da Coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano do Senge/RJ. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.
MAZOLA
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