Por Kakay –

“Não corrigir nossas faltas é o mesmo que cometer novos erros.”

– Confúcio.

Nos dias 26 e 27 de outubro, a USP promoveu um importante debate sobre a Lava Jato e o “lavajatismo” sob a coordenação dos professores Wilson Ramos Filho, o Xixo, que fundou o Museu da Lava Jato, e Maurício Dieter. Como a ideia era fazer um balanço crítico da Operação, em um primeiro momento, a impressão que ficou é que a investigação havia terminado o ciclo e que nós nos debruçaríamos sobre a sua herança maldita e seus escombros.

Como participei da mesa de abertura, juntamente com a professora Gisele Cittadino e com a desembargadora Simone Schreiber, iniciei fazendo o registro de que, para mim, que advoguei na Operação desde o 1º dia, a Lava Jato não acabou e o “lavajatismo” continua vivo. Especialmente, ressaltei, em um Judiciário ávido pela herança autoritária do grupo do ex-juiz e do bolsonarismo fascista que é filho direto desse grupo. Para que possamos entender o grau de capilaridade que esse bando conseguiu na sociedade brasileira, é necessário enfrentar questões que vão além da análise jurídica. Até porque, em em matéria de Direito, os mentores e chefes do esquema eram indigentes intelectuais.

Primeiro, precisamos assentar, na minha visão, que os operadores da Lava Jato tinham um projeto de poder. Pensado e calculado. Nada era por acaso. Instrumentalizaram o Judiciário e parte do Ministério Público com apoio incondicional de boa parte da grande mídia e de poderosos interesses de grupos estrangeiros, especialmente norte-americanos. Cooptaram um grande número de advogados que passaram a ser uma linha auxiliar do Ministério Público e tinham uma estratégia delineada para assumir o poder. Sem escrúpulos e sem limites.

Conseguiram, em grande parte, o seu intento. Destruíram setores da economia nacional, abrindo caminho para grupos estrangeiros, subverteram toda a jurisprudência garantista no processo penal, tornaram-se heróis nacionais visando cargos eletivos, ganharam rios de dinheiro e, o pior, elegeram o fascista do Jair Bolsonaro (PL) em 2018 quando prenderam o Lula (PT), que seria o único capaz de derrotá-lo nas urnas.

Ou seja, o plano de tomar o poder deu certo e o líder do grupo, o hoje ainda senador Sergio Moro (União Brasil), ousou assumir o Ministério da Justiça, em caso clássico de corrupção, do governo que ele elegeu. Eles tinham horror à Constituição e, pelo poder, estavam dispostos a absolutamente tudo.

Os métodos “lavajatistas” se confundem, ou se complementam, perfeitamente com os bolsonaristas. Um discurso falso e moralista. Enquanto diziam promover um combate à corrupção, enchiam as burras de dinheiro. A corrupção, no governo Bolsonaro, era uma questão endêmica e ocorria em todos os lugares.

A questão dos fundos bilionários da Lava Jato, ainda não totalmente esclarecida, é estarrecedora. O moralismo é uma forte arma dos hipócritas e fracos de caráter. Basta constatar que a ex-ministra Damares Alves (Republicanos) foi eleita senadora pelo Distrito Federal. Uma vergonha! Ainda agora, foi preso um líder do bolsonarismo, o ex-senador Telmário Mota, pela suspeita de ter mandado matar a mãe da sua filha. O motivo: ela iria depor contra ele acusando-o de ter estuprado a filha. Coisa de corar Satanás.

Armários inteiros repletos de bolsonaristas que se ocupam de esbravejar, para todos, contra gays, lésbicas e trans, prometendo matá-los ou excluí-los da sociedade, enquanto se entregam, no escurinho do cinema, aos prazeres por eles negados em público. Hipócritas e falsos.

Esse é o método “lavajatista” de ser que uniu forças com o bolsonarismo que ajudou a chegar ao poder. E que conseguiu dividir, ferozmente, a sociedade brasileira. O fascismo, quando sai da caixa, é muito difícil voltar a certa normalidade. Messiânicos, e sem nenhum limite, a não ser a ganância do poder, eles se uniram e passaram, sem pudor, uma imagem de serem o novo, a resposta do bem contra o mal.

Maniqueístas vulgares que, com o apoio da grande mídia, fincaram as garras em boa parte dos brasileiros. É extremamente difícil enfrentar quem não tem escrúpulos e nem limites. Usaram, bolsonaristas e “lavajatistas”, das fake news como forma de chegar ao poder. Com a máxima de que os fins justificavam os meios, criaram as falsas 10 medidas contra a corrupção, tentaram passar um ridículo pacote anticrime e combinaram com parte da mídia que iriam ser incensados como heróis.

Só que acreditaram que eram heróis e perderam o limite do ridículo. Caíram em desgraça, em parte. Mas ainda estão vivos, inclusive com a ajuda das viúvas da Lava Jato, que ainda ocupam cargos importantes na mídia, nos tribunais e na sociedade.

Não leram Fernando Pessoa: “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo”.

Na realidade, os bolsonaristas começam a responder na Justiça por seus incontáveis crimes. Na 1ª leva, que julga os crimes contra o Estado democrático de direito, as condenações já demonstram que a tentativa de golpe não ficará impune. O Judiciário cumpre importante papel na manutenção da estabilidade democrática. Resta cobrar que, aqueles que corromperam o sistema de Justiça, como declarou o Supremo Tribunal Federal ao julgar a parcialidade do ex-juiz, sejam igualmente levados às barras dos tribunais.

A democracia só restará fortalecida quando houver responsabilização, civil e criminal, dos que se serviram do Judiciário em busca do poder. Talvez, com a condenação de todos os responsáveis pelos graves abusos, possamos pensar em voltar à USP e discutir se realmente a Lava Jato chegou ao fim.

E, como um câncer tem que ter exames permanentes e acompanhamento rigoroso para evitar uma recidiva, que pode levar à metástase, vamos acompanhar os desdobramentos das investigações dos crimes cometidos pelos bolsonaristas e pelos “lavajatistas”. Depois da conclusão dessas investigações, voltaremos para fazer um balanço crítico da época de barbárie constitucional que se instalou no país. Se chegarmos neste outro seminário, é porque a civilização terá vencido.

Lembrando-nos do velho Churchill:

“Quanto mais longe você conseguir olhar para trás, mais longe você verá para a frente”.

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 65 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO

Tribuna recomenda!