Por Luiz Carlos Prestes Filho

A empresária, Kátia Espírito Santo, produtora da “Cachaça da Quinta”, em entrevista exclusiva para o jornal “Tribuna da Imprensa Livre” afirma que: “Um dos valores da Cachaça da Quinta é a ética e a estética do fazer de excelência. Isso é mais do que ser artesanal ou industrial de elevado padrão, é a forma contemporânea de unir saberes e tradições, paixão e arte, de forma a cumprir os mais rigorosos protocolos de produção, para atender ao mercado.”

Luiz Carlos Prestes Filho: A arte da cachaça? Como você descobriu a beleza dessa arte?

Kátia Espírito Santo: Apesar de nascida na Fazenda da Quinta, estudei fora desde os 7 anos, passando os finais de semana em casa. Sempre gostei muito de estudar, e não me interessava de forma firme pelas atividades rurais, assim, constitui um conjunto elementar de noções nesse campo. Mas, no início do século atual, meu pai, já envelhecido e adoentado, começou a me incentivar a produzir cachaça. Em atenção a ele, comecei a ouvir e a sistematizar tudo que ele me dizia e mostrava. Em pouco tempo, já detinha o conhecimento tradicional. Passei, então, a estudar o tema, a frequentar cursos, a contratar consultorias. Em seguida, foram os passos definitivos de planejamento, obras de reformas, reequipamentos e produção. Em 2007, tudo concluído, tive o prazer da minha primeira safra.

Prestes Filho: Você se considera uma artista da cachaça? Você se considera uma artesã que busca expressar seu amor pela natureza, sua História e tradição? Seu produto é industrial do ponto de vista da legislação tributária?

Kátia: Saber tradicional, conhecimento sistematizado, experiência e arte estão envolvidos na produção minuciosamente elaborada da “Cachaça da Quinta”. Nesse sentido, são elementos que se fundem de forma relevante, em uma espécie de paixão e razão, de arte e conhecimento, para a produção de produtos muito especiais. Do ponto de vista da legislação tributária, o produto cachaça é industrial, por um fato muito concreto, devido a profundas transformações da matéria prima, que requerem alto grau de especialidade em controle, inclusive laboratorial. Um dos valores da “Cachaça da Quinta” é a ética e a estética do fazer de excelência. Isso é mais do que ser artesanal ou industrial de elevado padrão, é a forma contemporânea de unir saberes e tradições, paixão e arte, de forma a cumprir os mais rigorosos protocolos de produção, para atender ao mercado de produtos de elevado padrão.

Prestes Filho: Seu avô e seu pai terem sido produtores de cachaça foi importante?

Kátia: Foi decisivo e fundamental, pois vem deles o saber tradicional, a afetividade com o produto e a cultura que o envolve, o rigor de ambos com os controles e precisão das práticas. Com eles, aprendi também a cultura do fazer bem.

Prestes Filho: Quais são as suas principais referências no desenvolvimento do seu trabalho com cachaça hoje? A luta pela preservação do meio ambiente faz parte?

Kátia: A agricultura e a produção orgânica, a sustentabilidade, a preservação ambiental, a cultura do saber fazer de excelência são os valores que ancoram a nossa empresa.

Prestes Filho: Como você entende a importância da produção de cachaça para o Estado do Rio de Janeiro?

Kátia: De 2011 a 2017 estive na presidência da nossa Associação de Amigos e Produtores da Cachaça, a Apacerj-Cachaças, do Rio de Janeiro. Atualmente prossigo colaborando como vice-presidente. Nesses anos, com o apoio, do Sindbebi, da Firjan e do Sebrae, realizamos importantes ações: (1) qualificação para a produção; (2) elaboração e divulgação de conhecimentos sobre cachaça (visando a afastar o preconceito ou os enfoques meramente jocosos, levando ao público informações históricas, culturais e técnicas); (3) certificação em qualidade de processos e produtos, para implantação de mecanismos rígidos de controle; (4) qualificação de bares e restaurantes para a coquetelaria com cachaça; (5) participação em eventos com a identidade Cachaças do Rio (Branding); (6) ações de divulgação com materiais e linguagem bem elaborados. Essas ações desenvolveram e consolidaram o Rio de Janeiro como Território da Cachaça de Qualidade, em que dois indicadores se sobressaem: um vigoroso conjunto de marcas premiadas em concursos mundiais de destilados (inserindo a Cachaça ao lado dos melhores destilados internacionais) e o segundo lugar em valores monetários de exportação de cachaça. Nosso estado é um “caso de sucesso” em Cachaça, exatamente porque centrou os esforços em qualidade, com um produto de valor agregado.

Prestes Filho: Quais são as técnicas aplicadas na produção da “Cachaça da Quinta”?

Kátia: São muitas as técnicas envolvidas na produção da Cachaça da Quinta, desde o preparo, os cuidados e o plantio dos canaviais orgânicos, passando pela fermentação ótima, com leveduras do “terroir”, a destilação lenta em alambique de cobre (de precisão tecnológica perfeita, além das vantagens do cobre em si na interação com algumas substancias do caldo fermentado, promovendo a qualidade sensorial), até o armazenamento e envelhecimento do puríssimo “coração” em tonéis de aço inoxidável e tonéis de carvalho francês e madeiras nacionais. Todas as etapas do processo de produção obedecem rígidos procedimentos e protocolos de controle, com a rastreabilidade do solo ao lote do documento fiscal. Além da produção, outras técnicas de sustentabilidade ambiental são realizadas, com o destino correto dos subprodutos, como a utilização da palha da cana para cobertura do solo, conservação da umidade e formação da biota ideal para a agricultura; a utilização integral do vinhoto (último subproduto) na irrigação dos talhões dos canaviais já cortados, a produção de álcool com as frações iniciais e finais do destilado. Usamos energia mecânica, acionada por roda d’água secular, para a moenda.

Prestes Filho: Como a produção pode avançar? Exportação ou consumo interno?

Kátia: Ambos são importantes para a nossa empresa, que comercializa mais da metade da produção para o mercado externo. A “Cachaça da Quinta” tem demanda de mercado por maiores volumes, o que não é simples de alcançar, pois o Estado do Rio de Janeiro possui evidentes fraquezas no meio rural: insuficiência e não qualificação da mão de obra; precária situação de estradas e necessidade de desenvolvimento de tecnologia para colheita da cana inteira com equipamentos mais leves, compatíveis com as necessidades das empresas de médio e pequeno porte. São gargalos como esses que requerem políticas para o desenvolvimento do notável segmento da cachaça fluminense, com dificuldade para expandir a produção dessa cachaça de elevado valor agregado, que pode vir a contribuir com a economia fluminense, e também com o desenvolvimento rural. Não é demais reiterar: o Estado do Rio de Janeiro já possui expertise em produção de um dos melhores destilados do mundo, mas é necessário um programa para o desenvolvimento setorial, para que pequenas e médias empresas possam realizar plenamente sua capacidade produtiva, em consonância com o tamanho adequado para produzir cachaça de elevado padrão, a exemplo do sucesso de mercado, de prestígio e de valor alcançado por destilarias internacionais de produtos mundiais.

Kátia Espírito Santo (Divulgação)

LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).