Redação

Primeira presa da Lava Jato e com um acordo de delação firmado em 2016, a doleira Nelma Kodama virou ré no último mês sob acusação de falso testemunho em inquérito relacionado à operação. A acusação, feita em denúncia apresentada pela procuradora da República Yara da Silva Sprada, foi aceita no dia 14 de agosto pelo juiz Luiz Antônio Bonat, que assumiu a 13ª Vara Federal do Paraná após a saída de Sergio Moro.

Segundo o Ministério Público Federal, a doleira fez as declarações que agora estão em xeque no ano de 2015, no âmbito de um inquérito que apurava a suspeita de que um grupo de delegados e advogados produziu um dossiê contrário à Lava Jato. Esse inquérito foi arquivado em 2017, por falta de provas.

CONLUIO – À época das declarações, Nelma estava presa e ainda não tinha fechado os termos de seu acordo de delação premiada. Ela apontou um delegado e um escrivão da PF como supostos participantes de um conluio contra a operação. No entanto, as falas são contestadas por registros e por outras testemunhas.

Em 15 de abril de 2015, chamada a testemunhar no inquérito, Nelma reconheceu uma fotografia do delegado da PF Rivaldo Venâncio e disse que, quando Youssef estava preso, em 2014, o delegado “constantemente frequentava o corredor em frente às celas de Alberto Youssef, mantendo contato com o mesmo”.

Convocada a se manifestar em 2016, ela repetiu a afirmação e disse que não podia afirmar “precisamente o número de vezes que tais encontros ocorreram, mas foi mais de uma vez” e que acreditava “que tenha sido uma conversa sobre amenidades, pelas risadas que ouviu”.

REPRESENTAÇÃO – O delegado Rivaldo entrou com uma representação contra Nelma. No documento, apontou que havia um único registro de entrada dele no local, em meio a uma inspeção realizada pelo Ministério Público Federal, na qual estava acompanhado por procuradores e por agentes da polícia.

Em manifestação nos autos, Rivaldo afirmou que, na ocasião, havia outros presos no local e “viu pela primeira e única vez o preso Alberto Youssef”. Foram escutados dois carcereiros e dois agentes da Polícia Federal, que negaram que o delegado frequentasse a cela, como disse a doleira. O próprio Youssef afirmou que não conhecia Rivaldo Venâncio.

Também em abril de 2015, Nelma disse que um escrivão da Polícia Federal, Cleverson Ricardo Hartmann, participava de grupo que “visava prejudicar o andamento da Operação Lava Jato, deduzindo que, pelo fato de ele trabalhar na sala ao lado daquela em que ela estaria prestando depoimento, tentava escutar o teor de sua conversa mantida com a delegada Tânia Fernanda Prado Pereira”.

NEGATIVA – Nelma disse que a delegada acabou mudando de sala, inclusive, por causa do escrivão. No entanto, ouvida no processo, a delegada Tânia negou que tivesse qualquer desconfiança sobre Hartmann e que mudou de sala porque o espaço inicial era muito pequeno para tomar depoimentos.

Ao aceitar a denúncia contra Nelma, o juiz Bonat afirmou que a mesma se fundamenta nas informações prestadas tanto pela doleira como por testemunhas, o que “permite concluir pela presença de indícios da existência de crimes e de sua autoria”. Ele abriu prazo para que os advogados da acusada apresentassem defesa no caso.

CRIMES –  Na Lava Jato, Nelma foi condenada em outubro de 2014 pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e organização criminosa. Depois que firmou acordo de delação premiada com as autoridades, a pena, que era de 18 anos, foi diminuída para no máximo 15 anos.

Em junho de 2016, a doleira passou para um regime aberto diferenciado, com uso da tornozeleira eletrônica. Como já havia cumprido um quinto da pena, no início de agosto deste ano, o juiz Danilo Pereira Junior, da 12ª Vara Federal de Curitiba, reconheceu como beneficiária do indulto natalino editado pelo ex-presidente Michel Temer, em 2017, e declarou extinta a punibilidade.

Procurado, o advogado de Nelma Kodama, Adib Abdouni, afirma que a sua cliente não “faltou com a verdade” em seu depoimento e não teve “o intuito de manchar a reputação de qualquer profissional da Polícia Federal”.

“FRÁGIL” – “Ela estava presa, estava frágil, estava com problema psiquiátrico e em nenhum momento ela imputou, através de dolo, qualquer conduta criminosa a membros da Polícia Federal”, afirma o advogado. Segundo ele, antes de se tornar ré a defesa tentou um acordo de retratação com as partes contrárias, que não vingou.

“Na época [do depoimento], ela estava sem assistência de advogado e sob estress emocional, porque estava presa”, disse o advogado. E, segundo ele, “angustiada por aspirar sua liberdade”, respondeu ao que foi perguntado.

Procurado, o delegado Rivaldo Venâncio levantou desconfianças a respeito das origens da declaração da doleira. Diz que ela depôs em um “inquérito forjado” e instaurado a partir de informações que omitiam quem apontou suspeita da produção de um suposto dossiê contra a Lava Jato, “como se possível fosse policial omitir sua ‘fonte’”.

FALSO TESTEMUNHO – “Fui alvo de um falso testemunho por parte de uma pessoa que apenas me viu uma única vez, entretanto soube descrever minhas vestimentas que cotidianamente utilizo”, afirmou Venâncio, em nota.

“Tais fatos geraram imenso abalo em minha honra, pois falsamente fui acusado de ter ligação com o então preso Alberto Youssef. Quanto a Nelma Kodama, entendo a condição subumana em que ela se encontrava, quando de seu encarceramento, disposta a tudo fazer para se ver livre do cárcere”, disse.

“Infelizmente a investigação que culminou com o oferecimento de denúncia contra Nelma não apurou se houve uma ordem dada a ela para fazer tal falso testemunho e por qual motivo. Se alguém foi condenado com base em testemunho de tal pessoa, tenho muita pena.” A reportagem não conseguiu localizar o escrivão Hartmann. (fonte: Folha, por José Marques)