Por Ricardo Cravo Albin –
“Quem julga as pessoas não tem tempo para amá-las.” – Madre Teresa de Calcutá.
Que fique claro que bem sei que meus leitores esperavam comentários sobre o super desfile do grupo especial das Escolas de Samba, a que me dedico por décadas. Este ano, por sinal, comentei o desfile horas fio pela emissora oficial do estado do Rio, a querida Roquette Pinto.
Mas se sobressaiu a urgência agora de fazer grave reflexão sobre assunto palpitante, o que segue abaixo.
Há alguns anos fui visitar uma das unidades do sistema judiciário do Rio, acompanhado pelo fraterno amigo Embaixador Jerônimo Moscardo. A visita havia sido sugerida pelo Desembargador Siro Darlan, que também escolheu a unidade prisional e tomou todas as cautelas para que tudo pudéssemos ver e testemunhar. Posteriormente estaríamos aptos a desenvolver algumas ideias que pudessem se agregar às muitas providências já desenvolvidas pelo Desembargador no sentido de amenizar o conflito de sofrimentos e abandonos a que estavam submetidos os apenados, privados da liberdade individual. Possivelmente o bem mais precioso a ser usufruído pelo ser humano.
Antes de transcrever nossas impressões sobre a vista à prisão estadual e ainda sem me referir ao recente impedimento imposto a Siro Darlan de continuar a fazer suas rondas piedosas dentro de muitas cadeias públicas, quero registrar a visita que fiz à Madre Teresa de Calcutá em Calcutá quando de minha prolongada peregrinação pela Índia há décadas passadas.
Mantive com o singular e aparentemente frágil personagem conversa que jamais esqueci: A hoje Santa da Igreja Católica quando a saudei dizendo-lhe da honra de conversar com rara unanimidade mundial, ela retrucou –“Qual o quê, eu já fui até acusada de desviar o dinheiro que me enviam de boa parte do mundo em proveito próprio, ou de minha família. Até países vizinhos ao local do meu nascimento me desdenharam”. Exalando um certo ar de paciência e muita sabedoria me disse – “sempre evoco o pensamento de Anatoli France “nosso mal é julgar as opiniões humanas ou pela dor ou pelo prazer que elas causam.”
A visita que Jerônimo e eu fizemos à cadeia de Bangu (ao que me lembro) nos cortou o coração. Ficamos de pronto dispostos a ajudar Siro a ampliar suas intervenções e imaginamos até outras sequências pontuais de ação. Mas, ao menos ao que me caberia fazer, pouco foi realizado. Até pela vertigem de acontecimentos que em alguns momentos se interpõe à frente daquilo que a gente almejaria priorizar.
Mas enquanto eu pecava pela ausência, o intrépido Desembargador continuava em suas missões piedosas. Até que me chega a notícia há pouco de que ele estaria impedido de exercer as atividades das visitas constantes.
Não devo me alongar aqui, até por que desconheço as razões da possível proibição de exercitar o bem, a solidariedade, a comiseração. Mas sou tentado a reiterar a frase de Madre Teresa que encima este texto. Por que não me parece razoável – a não ser que haja motivos fortíssimos – para se obstacular a promoção da piedade e das boas intenções.
Como vez por outra recordo aqui algumas lembranças dos bancos universitários na antiga Faculdade Nacional de Direito, acode-me, como o balançar de sinos de advertência na alma, a síntese com que Dom Helder Câmara encerrou palestra de abertura do ano letivo de 1969, levado pelo professor Hermes Lima. Ele resumiu, com emoção em cada palavra emitida, o que segue: “O que me fere o coração nem são tanto os erros judiciários e as impropriedades de certas sentenças. Mas sim as condições desumanas da enorme maioria das cadeias no Brasil, onde vi sem poder acreditar nos meus olhos, homens jogados em ambientes deploráveis como animais selvagens. Vocês, estudantes de Direito, têm que ver para crer. É o que peço, ou antes rezo, para que façam isso o quanto antes.”
Esse terá sido o mais rude soco na cara que recebi ao iniciar os estudos nas ciências jurídicas. A tal ponto conflituoso no Brasil que chegaria a esse extremo de indagação por parte de um homem de fé.
Pois bem, para encerrar, creio que seria útil solicitar às autoridades que impediram Siro Darlan que ele continue suas missões. E que liberem suas visitas. Que todos acolhemos com atenção e muito carinho. Devo lembrar aqui como uma sugestão a ser realizada, tão logo seja possível, de se organizarem festivais de música, ou de poesia dentro dos centros presidiários. Isso estimularia interesse pela disputa de talentos possíveis. Destinados a dormir para sempre na solidão e na exiguidez do estar privado da liberdade.
Evoco que organizei e me responsabilizei por um Festival de MPB na antiga Lemos Brito quando presidia o Museu da Imagem e do Som, lá por 1966/67. E foi um grande sucesso, a que aderiram como jurados gente da qualidade de Eneida, Sabino, Paulo Mendes Campos e até Vinícius.
Por que não reiterar eventos que deram certo?
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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