Por Hélio Schwartsman

Dizer que israelenses e palestinos não se dão bem é um eufemismo. Seria mais correto afirmar que um lado considera o outro menos do que humano —perto de 40% menos, para os que gostam de precisão.

Sabe-se pelo menos desde a 2ª Guerra que a desumanização é um importante ingrediente psicológico de perseguições, conflitos e genocídios, mas foi só a partir da virada do milênio que cientistas começaram a investigar o fenômeno de forma mais sistemática. Um pesquisador prolífico na área é Nour Kteily, da Northwestern University (EUA).

PESQUISA LOCAL – Kteily e o neurocientista Emile Bruneau, morto precocemente em 2020, se debruçaram sobre as desavenças entre israelenses e palestinos.

Na sequência da guerra de Gaza de 2014, eles perguntaram a cada lado como via o outro. Já estava bem estabelecido que os grupos econômica e politicamente mais favorecidos tendiam a desumanizar os mais fracos, mas não havia muitos dados a respeito de como a parte desfavorecida via o lado dominante.

E o que eles descobriram é que os mais fracos não têm dificuldade para desumanizar os adversários. As taxas médias foram bem semelhantes. Os israelenses tiraram 39,8 pontos dos palestinos numa escala de “humanidade” que ia até 100; já os palestinos subtraíram 37,03 pontos dos israelenses.

IDEOLOGIA E DOMÍNIO – Várias características, como ideologia política e dominância, afetam os resultados, mas o fator mais relevante, como sabemos por causa de um outro trabalho de Kteily, é como cada lado percebe a desumanização que o outro lhe atribui.

Ele pediu a americanos que avaliassem a humanidade de muçulmanos. O desconto médio foi de dez pontos, mas o número explodia quando os sujeitos de pesquisa liam antes uma reportagem falsa sobre como os muçulmanos consideram os americanos subumanos. É a chamada desumanização recíproca.

É um achado lúgubre. Ele transforma o terrorismo numa arma quase infalível para acirrar ânimos e sabotar qualquer iniciativa de paz.

Hélio SchwartsmanHÉLIO SCHWARTSMAN é bacharel em Filosofia e jornalista. Na Folha de S.Paulo desde 1988, já ocupou diversos cargos. Em 2008-2009, foi fellow na Universidade de Michigan.

Publicado inicialmente na Folha e enviado por Marco Aurélio Silva – São Paulo (SP). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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