Por Ana Maria Iencarelli

Não somos todos iguais porque a violência contra vulneráveis, mulheres, Crianças e idosos, tem um “Quê” de inimputabilidade garantida.

Caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais… Não. Não somos todos iguais. A música diz, mas não somos. E, não é apenas uma questão entre os que comem filé e os que comem osso retirado do lixo. Somos diferentes, mas a língua é a mesma, até quando se tem posições antagônicas. As palavras são usadas em vetores contrários de sentido, como se fossem um eco. É uma espécie de reedição da Torre de Babel, mas sem nenhuma diversidade linguística. Uma mesma palavra é usada para o seu contraditório. Essa, me parece, é uma maneira de estilo cupim que “resolve”, autoritariamente, as diferenças. Aliás, nunca fomos tão intolerantes com as diferenças que escapam do cupinzeiro social.

Numa sociedade cenográfica, onde tudo é erguido de papelão, há muitas leis, lindas, mas não há obediência cidadã a essas lindas leis. O Feminicídio, por exemplo, nunca esteve tão em alta como agora, apesar da Lei Maria da Penha, avançada, vigorar desde 2006. “Não aguentou o fim do relacionamento” é a motivação mais apontada nos casos dessa violência familiar, que, em sua maioria de casos, ocorre dentro de casa e na presença de filhos pequenos. A Juíza Viviane, é emblemática. Assassinada com 16 facadas pelo ex-marido na frente das três filhas pequenas. Na noite de Natal. Também na festa de Réveillon de 2017, um pai, sobre quem pesava a acusação de abuso sexual, matou a ex-mulher e mais as mulheres da família dela que ele alcançou, matou o filho e se suicidou. Queria ter a guarda desse único filho.

Não somos todos iguais porque a violência contra vulneráveis, mulheres, Crianças e idosos, tem um “Quê” de inimputabilidade garantida. Agora existe o “estupro culposo”, o abuso sexual intrafamiliar de Criança que vira alienação da mãe, existe a Privação Materna Judicial imposta pelo Estado, existe a prisão por engano que pode ter a desculpa de semelhança daquela fotinho 3×4 aos 14 anos ou por ter um pai que tem nome homônimo de um criminoso. Ou, simplesmente, porque é um jovem tipo PPP.

A inimputabilidade também é garantida para Operadores de Justiça que cometem falhas Éticas, como aquela que justificou as práticas de estupro do pai, dizendo para o filho que aqueles comportamentos eram naturais entre homens. Ou quando gritam e usam o clássico “cala a boca” porque uma mulher tenta se defender de uma distorção litigante e cruel que lhe é atribuída, durante uma audiência.

São muitos os papelões da cenografia social.

Mas, parece que há uma convergência nisso tudo: a desresponsabilização. Entrou na moda uma estratégia para diminuir a pilha. Em algumas mesas ela está mais alta do que a pessoa sentada ali atrás dela. Fala-se em 150 milhões de processos. Já ouvi uma estimativa bem maior.

Em nome de uma “humanização”, uma troca de crime por conflito ilude. Parece que diminuindo a gravidade existente, as pessoas investem nessa mágica. Restaurativa. Não vi o reconhecimento, a mea culpa, dos autoritarismos, dos exageros, das maldades praticadas. Porque só se humaniza o que é desumano. Só se restaura o que está em ruínas.

“Justiça Restaurativa”? Regina foi condenada a passar um dia por semana trabalhando, com cadastramento de moradores de rua, das 8 às 17 horas. Lembrando, ela foi acusada de “facilitar” o sequestro do neto, que suplicou para não ser capturado por Ordem Judicial e entregue ao pai de quem queixava de comportamentos libidinosos. Alguém escutou o menino? Hoje, arrastando uma série de sequelas, com quadro de estresse pós-traumático. E, alguém olhou a condição de saúde de Regina? Alguém quis ver seu laudo? Não foi lido, nem considerado. O preconceito dogmático da alienação da mãe, a crença de que é mentira dela, afinal ela é uma alienadora/sequestradora de criança associada à filha, uma atribuição, sem nenhum comprometimento com a verdade, que a acusa de conivência. Restaura o que em alguém da terceira idade ficar em pé por 9 horas seguidas? Será que vai restaurar o seu cisto, já operado, que voltou a crescer? Condenada sem ter cometido nenhum crime. Ou é crime agora proteger Criança de um abusador? É isso a Justiça humanizada?

Mulheres são loucas. Crianças são mentirosas. E, a perita flagrada banalizando e justificando as práticas masturbatórias e anais que aquele pai obrigava sob espancamento ao filho, é considerada pessoa de “notório saber”. Não há como responsabilizar essa gravíssima falta Ética. É a encenação do romance. “O Processo” de Kafka faz parte da sociedade cenográfica.

E o pensamento mágico, que traz os mortos como os verdadeiros autores dos crimes intrafamiliares, toma o lugar da razoabilidade e da Ciência.

Não demora, vamos ter uma receita de um “Bolo Quântico”. Mas as partículas de dimensões nano dos ingredientes, não transformam uma receita de bolo em evidência de Bolo Quantico.

ANA MARIA IENCARELLI – Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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