Redação

“As Forças Armadas não são imunes a críticas.” “O Brasil caminha para 600 mil mortes causadas pela pandemia em cujo descontrole um dos ministros da Saúde era exatamente um militar da ativa”, em referência ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, é o que diz a nota do grupo Prerrogativas, que agrega juristas, advogados, professores, pareceristas e ex-membros do Ministério Público.

O grupo acusa o ministro da Defesa de Bolsonaro, Braga Netto, e os comandantes das Forças Armadas de intimidarem o Senado ao divulgarem nota de repúdio a declarações feitas na quarta-feira (7/7) pelo presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).

O senador pelo Amazonas afirmou que havia muitos anos que o Brasil “não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”.

“As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”, disseram os comandantes militares em nota divulgada ontem mesmo.

O Prerrogativas fala em “intromissão no funcionamento de um dos poderes da República” e classifica o gesto como autoritário. “O ataque ao parlamentar que comanda as investigações e que expressa de forma legítima sua perplexidade ante à corrosão moral de alguns oficiais militares não deveria gerar essa reação corporativa e autoritária por parte das cúpulas castrenses”, diz a nota publicada nesta quinta (8/7).

“É inaceitável que as Forças Armadas continuem a se arvorar como reserva moral da nação e guardião da ordem. Tal propósito não encontra guarida em nossa Constituição. Mais inaceitável ainda é um ministro de Estado, ocupante da pasta da Defesa, produzir mensagem intimidatória ao exercício de um dos poderes da República”, segue o grupo.

Nesta quarta, a CPI ouviu o depoimento do ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias. Ele foi exonerado pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, após denúncia de pedido de propina revelado em entrevista de um denunciante à Folha de S.Paulo.

A sessão terminou após Aziz determinar a prisão de Dias. Segundo o senador, o depoente mentiu em diversos pontos de sua fala. Durante a sessão, o senador fez comentários que irritaram o alto comando militar do país.

Ao responder uma pergunta do senador, Dias disse que foi sargento da Aeronáutica. Aziz então disse que “os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia”.

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) também emitiu nota sobre o ocorrido.  “Diante da descoberta da presença de militares nas negociações de desvios de dinheiro público, o presidente da Comissão, senador Omar Aziz, afirmou que ‘membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo’ e que os honestos devem estar muito envergonhados. Sem generalizações. Contudo, para espanto geral, o alto comando das Forças Armadas divulgou nota em sequência, com teor gravíssimo e tom de intimidação contra o presidente da CPI”, diz trecho do comunicado.

“A autonomia dos poderes constitucionalmente constituídos é um dos pilares da nossa democracia e sua defesa é uma das principais funções das Forças Armadas. De tal modo que nosso regime não nos permite tolerar atitudes abusivas, que pretendam calar críticas contra revelações de corrupção, não importa quem sejam os envolvidos”, prossegue.

A nota também é assinada pelas associações Juízes para a Democracia (AJD) e Advogadas e Asdvogados Públicos pela Democracia (APD), Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público e Coletivo Defensoras e Defensores pela Democracia.

Leia abaixo a nota conjunta das Forças Armadas:

“O ministro de Estado da Defesa e os comandantes da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro e da Força Aérea Brasileira repudiam veementemente as declarações do presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, senador Omar Aziz, no dia 7 de julho de 2021, desrespeitando as Forças Armadas e generalizando esquemas de corrupção.
Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável.
A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições pertencentes ao povo brasileiro e que gozam de elevada credibilidade junto à nossa sociedade conquistada ao longo dos séculos.
Por fim, as Forças Armadas do Brasil, ciosas de se constituírem fator essencial da estabilidade do país, pautam-se pela fiel observância da lei e, acima de tudo, pelo equilíbrio, ponderação e comprometidas, desde o início da pandemia Covid-19, em preservar e salvar vidas.
As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.

Walter Souza Braga Netto (ministro de Estado da Defesa)
almirante de esquadra Almir Garnier Santos (comandante da Marinha)
general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (comandante do Exército)
tenente brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior (comandante da Aeronáutica)”

Leia abaixo a nota do grupo Prerrogativas:

“O grupo Prerrogativas, que reúne juristas, professores de Direito e profissionais da área jurídica, movidos permanentemente pelo resguardo da Constituição da República, vem denunciar o caráter institucionalmente anômalo e ameaçador da nota oficial publicada ontem (7/7/2021) pelo Ministério da Defesa, subscrita pelo respectivo ministro de Estado e pelos comandantes das Forças Armadas.
O nítido propósito da nota consiste na intimidação ao livre exercício das atividades do Senado, na medida em que promove recriminação a um pronunciamento do senador Omar Aziz, presidente da CPI que investiga desvios governamentais no combate à pandemia da Covid-19.
Trata-se, portanto, de ato de intromissão no funcionamento de um dos poderes da República — o Legislativo — que ora desempenha a sua incumbência de controle das ações do Executivo, conforme previsto no texto constitucional e atendendo a determinação do Poder Judiciário.
Ao fazê-lo, o ministério da Defesa reincide em viciadas práticas recentes, notadamente quando, em 2018, o general Villas Boas, então comandante do Exército, acossou o STF com um tuíte divulgado pouco antes do julgamento de um Habeas Corpus impetrado pelo ex-presidente Lula.
As Forças Armadas não são imunes a críticas. Ao contrário. Mantiveram uma ditadura por mais de duas décadas e até hoje parece que não conseguem conviver com os imperativos da democracia.
O envolvimento de alguns de seus membros, da ativa e da reserva, em graves irregularidades administrativas merece a rigorosa investigação, empreendida pela CPI do Senado. O ataque ao parlamentar que comanda as investigações e que expressa de forma legítima sua perplexidade ante à corrosão moral de alguns oficiais militares, não deveria gerar essa reação corporativa e autoritária por parte das cúpulas castrenses.
Na verdade, a manifestação do senador Omar Aziz, presidente da CPI, cumpre o relevante papel de revelar os motivos e os autores do fracasso governamental no enfrentamento da pandemia.
É inaceitável que as Forças Armadas continuem a se arvorar como reserva moral da nação e guardião da ordem. Tal propósito não encontra guarida em nossa Constituição. Mais inaceitável ainda é um ministro de Estado, ocupante da pasta da Defesa, produzir mensagem intimidatória ao exercício de um dos poderes da República.
Otto Maria Carpeaux, que em 1940 escapou por um triz do nazismo na Europa, cunhou a célebre frase ‘na democracia, se baterem à porta de sua casa de madrugada, é o leiteiro’. Todas as democracias do mundo dormem tranquilas. Em nenhum país civilizado e democrático a democracia deve sofrer ameaças de forças militares.
Lamentavelmente, no Brasil, passa dia, passa mês, passam anos e lá vêm de novo as Forças Armadas ameaçando as instituições democráticas. Sequestraram o leiteiro, para que nunca saibamos que, quando alguém bate na porta, é ele mesmo — o leiteiro — ou algum pretendente a ditador.
O Brasil caminha para 600 mil mortos causadas pela pandemia em cujo descontrole um dos ministros da Saúde era exatamente um militar da ativa. A CPI instalada no Senado busca apurar as responsabilidades, havendo confiáveis pesquisas mostrando que a omissão governamental causou, no mínimo, 150 mil mortos a mais.
É disso que precisamos: apurar as responsabilidades por esse genocídio. E não de ameaças à democracia.”

Leia abaixo a nota da ABJD:

“Defender a democracia e a autonomia entre os poderes
A Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal, conhecida como CPI da Covid, tem sido um fundamental instrumento de investigação para trazer à luz os processos que conduziram nosso país ao atual estágio de mais de meio milhão de mortos pela pandemia do novo Coronavírus.
As revelações trazidas mostraram ao Brasil que, para além da incompetência e negligência, se instalou no governo federal um processo de corrupção na compra de vacinas para a Covid-19, cuja publicidade é de vital interesse a toda a sociedade.
Diante da descoberta da presença de militares nas negociações de desvios de dinheiro público, o presidente da Comissão, senador Omar Aziz, afirmou que “membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo” e que os honestos devem estar muito envergonhados. Sem generalizações.
Contudo, para espanto geral, o alto comando das Forças Armadas divulgou nota em sequência, com teor gravíssimo e tom de intimidação contra o presidente da CPI.
A autonomia dos poderes constitucionalmente constituídos é um dos pilares da nossa democracia e sua defesa é uma das principais funções das Forças Armadas. De tal modo que nosso regime não nos permite tolerar atitudes abusivas, que pretendam calar críticas contra revelações de corrupção, não importa quem sejam os envolvidos.
“Ataque leviano às Instituições” é tentar abafar investigações com ameaças veladas e é nesse sentido que as entidades que a esta subscrevem apresentam seu repúdio à nota assinada pelo senhor Ministro de Estado da Defesa e do comando das três Forças militares, esperando que a CPI cumpra seu papel de forma livre e autônoma e possa concluir seus trabalhos, de fundamental importância para o interesse social.”


Fonte: ConJur