Por José Carlos de Assis –
O Brasil está num regime de pré-convulsão social contratado por Jair Bolsonaro na sua condição institucional de Presidente da República.
Daí para se chegar à convulsão completa e a um golpe de direita é apenas um passo. Tudo depende essencialmente de dois precedentes. Primeiro, que parte dos caminhoneiros consiga paralisar os transportes de combustíveis e de alimentos no dia 8. Segundo, que CUT e PT vejam nisso um pretexto para uma radicalização extrema pela esquerda.
Nenhuma dessas duas precondições para a instalação do caos completo na sociedade e na economia é totalmente impossível. Os caminhoneiros estão divididos, e os não bolsonaristas entre eles não querem assumir publicamente a posição, porque temem retaliações. Afinal, o homem ainda é Presidente. Já PT e CUT sempre estiveram divididos entre moderados e radicais. Numa situação de caos, os radicais, a despeito do Lula Paz e Amor do passado, podem achar que chegou a hora da revolução.
Sempre se supôs que Bolsonaro é apenas um psicopata bronco. É um erro. Como muitos psicopatas, ele é inteligente. E capaz, como também muitos psicopatas, de perseguir pacientemente uma estratégia concebida nos seus devaneios mentais. A estratégia inicial dele era foquista. Assim se chamava a corrente política de esquerda, teorizada pelo francês Régis Debray, que levou extremistas de esquerda brasileiros à guerrilha urbana e à guerrilha rural do Araguaia, desafiando a ditadura nos anos 70.
A ideia do foquismo era que, instalando-se um foco de guerrilha num lugar, ele se espalharia, contaminaria partes crescentes da sociedade insatisfeita com o governo (por hipótese), e, ao fim, desembocaria numa revolução e na vitória da esquerda. Essa estratégia levou Guevara a uma experiência revolucionária desastrosa, e à morte, na Bolívia. No Brasil, levou a esquerda do PCB ao Araguaia, e outras correntes partidárias extremistas a assaltos e sequestros urbanos, que acabaram na radicalização do AI-5.
Estratégias não têm cor ideológica ou partidária. São métodos abstratos de luta, politicamente neutros. Não sei se Bolsonaro leu Débray, mas sua estreia no campo político foi na preparação de um atentado a um quartel do Exército no qual ele próprio servia. A partir desse foco, ao ser atribuído à esquerda levantaria as Forças Armadas, em repressão institucional violenta, contra todos os esquerdistas e simpatizantes deles. Puro foquismo, nesse caso aplicado pela direita.
Perdoado pelos superiores, muitos dos quais são hoje seus simpatizantes da reserva, Bolsonaro seguiu os passos das correntes principais de esquerda, abandonando o foquismo e buscando o caminho institucional das eleições. O foco continuou sendo as Forças Armadas, mas o método de conquistá-las já não era por atentados, mas pela pregação de melhores salários para a tropa. Conseguiu adesões crescentes e, finalmente, o apoio explícito do Exército a sua candidatura presidencial.
Eis os fatos. E agora estamos diante de Bolsonaro, um radical de direita na Presidência da República, desafiando as instituições a fim de evitar as eleições no próximo ano, impor sua ditadura pessoal ao país e liquidar fisicamente os esquerdistas e simpatizantes, seu projeto ideológico original. Sua inspiração, para fazer isso, vem novamente a esquerda.
A Revolução Russa de 1917, precedida de um caos social sem precedentes, que foi taticamente aproveitado pelos bolchevistas e por Lênin.
O Partido Comunista, antes da revolução, nunca fora hegemônico na Rússia. Era uma corrente política menor, comandada por Lênin desde a Finlândia. Quem o levou ao poder foi o caos instalado na sociedade russa pela derrota e os horrores da Primeira Guerra, a desagregação do poder czarista e a insatisfação do povo com as condições materiais e morais da sociedade. Isso permitiu que uma subseção do PC, os bolchevistas, vencesse os moderados e, aos poucos, levasse a Rússia ao stalinismo.
Ninguém com relativo nível de informação duvida de que estamos, enquanto sociedade, numa condição de caos. Pipocam crises de todos os lados, em todas as instâncias. É crise econômica, crise inflacionária, crise da covid-19, crise ambiental, crise hídrica, crise urbana, de desemprego, de miséria absoluta, e crise de segurança pública. Por cima de todas elas, a crise institucional provocada deliberadamente por Jair Bolsonaro, lançando-se contra o STF e convocando motoqueiros para apoiá-lo.
Absolutamente omisso diante de todas essas crises, o Presidente contribui para aprofundá-las quando atrasa por vontade própria a vacinação contra a covid para facilitar esquemas de propina; reage tardiamente aos incêndios da Amazônia e à crise hídrica; nega assistência social digna às vítimas da pandemia; fica indiferente diante da inflação e do aumento acelerado do custo de vida; ignora a crise social generalizada. Portanto, sua obsessão de estrategista psicopata é a convulsão social e o golpe.
A convulsão não é um fim, mas uma etapa. A etapa seguinte, antes do golpe, é intervenção do Exército. Bolsonaro sabe que o Exército está dividido e não entrará numa aventura a seu favor apenas por simples ordem sua. Mas o Exército entrará, sim, no início a favor dele, a pretexto de apaziguar a convulsão social ou sublevação oportunista das esquerdas para assaltar o poder, como fizeram os bolcheviques na Rússia. É a isso que leva sua estratégia. Seu êxito depende da CUT e do PT.
Lula está dividido pessoalmente entre moderados e radicais, como sempre. Os moderados querem a via eleitoral. Os radicais, a via do confronto. Não se sabe quais deles são hegemônicos no PT e na CUT. O que sabemos é que um e outro estão reticentes diante da única saída que temos para enfrentar as crises e o golpismo: a convocação e o exercício prático de um grande Pacto Social que leve o Congresso Nacional a tomar as rédeas e assumir o controle das crises.
A ideia do Pacto começa a tomar corpo na sociedade. Consultado, não foi bem recebida, pelo que sabemos, no PT e na CUT. A Febraban e o Agronegócio, os eixos hegemônicos atuais do empresariado, manifestam publicamente seu apoio à democracia e estariam dispostos, provavelmente, a se sentarem com as demais lideranças sociais para traçar os rumos de uma saída institucional para o país. Mas também no empresariado há radicais contra, como Fiesp e Fiemg.
São esses rachas que caracterizam a iminência da convulsão social promovida desde a Presidência da República. Ou os moderados tomam conta da situação através do Pacto, ou vamos para a total desorganização da sociedade, com um golpe militar que se proponha apaziguá-la. Não será necessariamente uma vitória de Bolsonaro. Diante das tragédias econômica, social e política que provocou, o Exército não lhe entregaria o poder absoluto. E também não, às esquerdas. Só não sairia dele.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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