Por José Dirceu

Procuradores que se opõem a mudanças no CNMP usam “luta contra a corrupção” como pretexto para buscar poder político.

Nos últimos dias, cresceu a pressão de certa mídia –como sempre, as organizações Globo à frente– e da própria corporação, o Ministério Público Federal e congêneres, contra as mudanças na composição e atribuições do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ensaiam o mesmo minueto: “Querem proteger os corruptos e impedir a ação do Ministério Publico, inclusive na defesa do meio ambiente e no combate à violência contra as mulheres”; “estão a violar a Constituição Federal!”; e por fim, num manifesto assinado por mais de 3 mil procuradores e promotores, denunciam “a influência política no MP, com o objetivo de impedir a luta contra a corrupção”.

A defesa da corporação por seu sindicato –isso mesmo, o Conselho Nacional do Ministério Público– acusa em seu manifesto a PEC 5/21, cujo autor é o deputado Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, de interferência política no MP.

Salta à vista o absurdo da acusação, em se tratando do Congresso Nacional, único depositário da soberania popular com poderes para, dentro das regras e limitações impostas pelo Constituinte, modificar a Constituição de 88.

Mas a retórica, inclusive espalhada nas redes via perfis fakes, é que o único objetivo é impedir a luta contra a corrupção, abrindo alas para o sindicato impor o medo, mobilizar e reviver, via mídia, na opinião publica, como fizeram na PEC 37, a “grande causa da luta contra a corrupção”, a Lava Jato.

O problema são os fatos e a realidade: a Lava Jato é exatamente a razão das mudanças propostas. Em toda sua nudez, as entranhas apodrecidas da Lava Jato e a sua atuação política partidária, de luta pelo poder político do MP e de seus representantes de Curitiba (mais o ex-juiz Sergio Moro e vários desembargadores e ministros dos tribunais superiores) estão expostas, não apenas pela Vaza Jato, mas pelas decisões do Supremo Tribunal Federal.

Agora mesmo veio à tona, só para refrescar a memória e impedir a operação de esquecimento, provas cabais que o chefe dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol (e os diálogos com o procurador Athaide Ribeiro Costa comprovam) escreveu parte da delação de Pedro Barusco, com o único objetivo de envolver o PT, violando abertamente a Lei da Delação 12.850. Seria demasiado recordar como as prisões preventivas e o bloqueio de bens foram usados como instrumentos de tortura psicológica pelos procuradores, com anuência do ex-juiz, que vazou, violando a Constituição, telefonemas da presidente Dilma e uma delação totalmente falsa de Antonio Palocci, tão somente para condenar e prender ilegalmente, num processo sumário, de exceção e político, o ex-presidente Lula, para depois apoiar, como a maioria dos procuradores, Jair Bolsonaro, em troca do cargo de ministro da Justiça e provável sucessor.

A desfaçatez dos procuradores e de seus apoiadores não tem limites. Às vésperas da votação da PEC, o CNMP decidiu pela primeira vez punir o procurador Diogo Castor de Mattos, um notório violador da lei (seu irmão advogava abertamente para investigados e réus da Lava Jato) pela criação de um outdoor em homenagem aos próprios procuradores da Lava Jato. Valia tudo naqueles tempos, inclusive propor –e, com os mesmos métodos de hoje, pressionar o Congresso Nacional– as famosas “10 Medidas Contra a Corrupção”, algumas inacreditáveis como a validade de provas obtidas por meio ilícitos, tudo indica em causa própria, porque cientes dos crimes que cometiam.

A pergunta que devemos fazer é onde estavam esses mais de 3 mil promotores, quando dessas violações do devido processo legal, da presunção da inocência, da garantia que o ônus da prova cabe ao acusado; quando os procuradores de Curitiba, como senhores da guerra, lutavam abertamente pelo poder.

Quem desmoralizou o CNMP, sua composição atual e atribuições, foram os próprios procuradores e sua atuação absolutamente corporativa em defesa de privilégios e vantagens, muitas ilegais, vergonhosas mordomias, salários acima do teto Constitucional, e, principalmente, o pacto de sangue de autoproteção e de impunidade para seus pares e iguais.

Onde estavam os subscritores do manifesto quando o STF, desconhecendo, como letra morta, a decisão do Constituinte de 88 que atribuiu a função de Polícia Judiciária da União e dos Estados e DF à Policia Federal e às Policias Civis (derrotando a proposta dos então procuradores que fosse o MP!) permitiu que o MP, além de atuar como acusador, passasse a investigar? E permitiu não só que os procuradores tivessem acesso aos famosos Guardiães, para escuta telefônica, como também criassem os famigerados PICs (Procedimentos Investigatórios Criminais), processos de investigação administrativos, sigilosos, criando um monstro, uma verdadeira polícia política, como vimos agora que a Lava Jato está exposta, à luz da verdade.

Não querem nem que ministros dos tribunais superiores tenham 3 assentos no CMMP, que o Congresso Nacional indique 3 integrantes desse conselho, a OAB indique 2, e que o próprio corregedor seja indicado, entre integrantes da carreira do MP, procuradores na ativa e aposentados, pelo Congresso. Insistem na tese que o CNMP tem como única função fiscalizar a conduta de seus integrantes, quando na prática tem poderes outros, particularmente de distribuir regiamente seu orçamento entre seus integrantes. Escondem a informação que os procuradores continuaram com maioria no novo CNMP de 17 cadeiras.

O cavalo de batalha dos procuradores é a chamada independência funcional do MP, que lhes garantiria, em tese, impunidade absoluta, já que seus atos não seriam passíveis de revisão, nem pelo CNMP, muito menos pelo PGR –que eles, não devemos esquecer, queriam indicar não apenas pela lista tríplice, mas pela obrigatoriedade do presidente da República de respeitar a lista e indicar o 1º colocado, o que é totalmente inconstitucional.

A proposta da PEC é muito próxima do que ocorre na prática: a punição disciplinar poderá vir acompanhada de uma revisão do ato ilícito, legitimando uma decorrência natural do processo disciplinar. Os atos administrativos que foram avaliados por correição disciplinar podem ser revogados pelo CNMP. Totalmente diferente do que propagam pela mídia, cúmplice e coautora das violações da Constituição da Lava Jato.

Escondem o fato principal: o único poder que não tem controle externo, é disso que se trata, é o MP! Sequer tem um código de ética (que, pela PEC, teriam que aprovar em 180 dias). Nenhum integrante do MP responde por improbidade. Suas decisões estão, na prática, acima da Constituição, inclusive quanto às regalias e privilégios. Não querem participação do Legislativo, que detém e expressa a soberania popular, no CNMP.

Querem, na prática, o poder político.

JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, 75 anos, é advogado. Foi deputado estadual e federal pelo PT e ministro da Casa Civil (governo Lula). Foi condenado na Lava Jato a 32 anos e 1 mês de prisão e solto quando o STF proibiu prisões pós-condenação em 2ª Instância. Lançou em 2018 o 1º volume do livro “Zé Dirceu: Memórias”.

Publicado inicialmente em Poder 360. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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