Redação

Não adianta culpar o vírus pela crise da indústria brasileira. Efeitos da pandemia, como a escassez de insumos, o desarranjo das cadeias produtivas e os custos em alta explicam só em parte a retração industrial no Brasil. Com exceção de alguns segmentos e de algumas empresas, o setor vai mal há muitos anos e seu desempenho piorou, claramente, antes de aparecer no País a covid-19.

Com o recuo de 0,7% em agosto, a indústria completou três meses seguidos de desempenho negativo, com perda acumulada de 2,3%. Com mais essa queda, o total produzido ficou 2,3% abaixo do patamar pré-pandemia, de fevereiro de 2020.

CONFIRA OS DADOS – O mau desempenho, generalizado, ocorreu em 15 dos 26 segmentos cobertos pela pesquisa mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e em três das quatro grandes categorias. Houve redução de 0,8% na produção de bens de capital, de 0,6% na de bens intermediários e de 3,4% na de bens de consumo duráveis.

Só a fabricação de bens de consumo semiduráveis e não duráveis cresceu, com variação de 0,7%. No período de janeiro a agosto a produção foi 9,2% maior que a de um ano antes, mas a comparação, nesse caso, é com uma base muito deprimida pelo impacto inicial da covid-19.

Não há como atribuir essa queda generalizada apenas à escassez de insumos e à elevação custos, embora esses problemas tenham afetado seriamente algumas indústrias, como a automotiva.

FALTA DEMANDA – Também é preciso levar em conta as condições da demanda no mercado interno. O gerente da pesquisa, André Macedo, aponta fatores como o desemprego, a redução dos salários, a diminuição da massa de rendimentos e a corrosão da renda familiar pela inflação acelerada.

A inflação anual, poderia ter acrescentado o técnico, já bate em 10% ao ano e é mais que o dobro da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa média chegou a 4,3% nos 12 meses até agosto, com os preços puxados principalmente pelos custos da alimentação e da energia.

No caso do Brasil, é preciso levar em conta alguns detalhes especiais para bem avaliar o desempenho da indústria. Os problemas do setor vêm se acumulando há anos, especialmente a partir do governo da presidente Dilma Rousseff. Agravaram-se, no entanto, desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro.

JÁ ERA ESPERADO – Nos quatro meses entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020, a produção industrial foi sempre menor que a do mês correspondente do ano anterior. A piora das condições da indústria já era visível, portanto, no último quadrimestre antes da pandemia se manifestar no País.

A recuperação iniciada em maio do ano passado bastou apenas para repor, em parte, as perdas do primeiro momento da nova crise. O desempenho voltou a piorar em 2021 e os últimos dados apontam uma produção 19,1% inferior à de maio de 2011, pico da série histórica do IBGE. Em julho, a diferença para menos era de 18,5%.

No caso da indústria de bens de capital, como máquinas e equipamentos, o resultado de agosto ficou 25,9% abaixo do pico registrado em setembro de 2013.

CAI A PRODUÇÃO – O maior tombo, nesse período, foi o dos fabricantes de bens de consumo duráveis, como automóveis, móveis e eletrodomésticos. Os números de agosto mostram uma produção 43,8% menor que a do ponto máximo, em junho de 2013.

Esse longo desastre é explicável por muitos fatores, como o protecionismo, o pouco estímulo à inovação e à busca de competitividade, o escasso e caro financiamento privado, os impostos sobre a produção, o sistema tributário complicado, a burocracia e os custos associados ao transporte deficiente, para citar alguns dos mais óbvios.

Mas o quadro piorou a partir de 2019. Já no primeiro ano do novo presidente, perdeu impulso a recuperação iniciada em 2017, depois do desastre final da fase petista. O desemprego continuou elevado, os negócios enfraqueceram e, depois das medidas emergenciais de 2020, a economia ficou sem projeto e sem rumo. Assim continua, e a crise da indústria é agora alimentada por mais um fator, o desgoverno liderado pelo presidente Bolsonaro.

Fonte: Estadão


Tribuna recomenda!