Por Ricardo Cravo Albin

“Elegância é a arte de não se fazer notar, aliada ao encanto sutil de se deixar distinguir”.  (Paul Valery)

A morte de Marco Maciel neste sábado deixa como legado raro exemplo. O exemplo da falta que fazem aos homens públicos de hoje procedimentos como elegância e conciliação, tal como na frase acima profetizada pelo poeta Paul Valery. Maciel exaltava, aos que tiveram o privilégio de admirá-lo pessoalmente, os sentimentos de uma elegância natural que culminavam na discrição e na gentileza. Que, no caso dele, desembocaram na raridade do que se entende por lealdade política, ao ocupar 87 vezes a presidência do país nos 8 anos como vice de FHC. Todo esse emaranhado de virtudes comportamentais foi lapidado em intensa vida política, desde fundador do DEM até deputado estadual, federal e senador, desde a presidência da Câmara, Ministro da Educação e governador de Pernambuco, desde o habilíssimo negociador político que armou a volta dos governos civis com Tancredo e Sarney à sabedoria do quase silêncio nos 8 anos como vice, logo considerado unanimemente como o vice dos sonhos para qualquer presidente.

De fato, aos observadores não escapam certas diatribes no jogo do poder das chapas presidenciais. Bolsonaro por vezes aparenta tratar Mourão como inimigo abrigado pela paranoia de que o vice almejaria o seu lugar. O que fez o general emitir frase contundente- “Ele não me quer na chapa de reeleição, em 22, é o que eu deduzo.” Isso de fato é novidade na história recente dos vices já que Maciel, Alencar e Temer se reelegeram vices em 1998, 2006 e 2014. José Sarney era vice de Tancredo e teria até cedido seu lugar para Ulisses substituir Tancredo, mas o velho cacique insistiu na posse legal do vice da chapa, Sarney. Já Lula teve em José de Alencar um vice nos padrões de Maciel em lealdade, o que não ocorreria com Dilma em relação a Temer que fez de tudo para ajudar a derrubá-la. Itamar foi mais discreto com Fernando Collor, não assumindo o protagonismo ostensivo no seu impedimento.

Vale concluir que a função de vice é hoje um anacronismo, porque nem mais existe o que se chamava transmissão de cargo. A tecnologia avançou tanto que o presidente se comunica hora a hora com Brasília de onde estiver. Na prática o cargo de vice serve apenas para composição partidária especialmente agora com o voluntarismo autoritário de Bolsonaro, que de fato transformou seu governo uma possível continuidade da nova república, em uma estrutura quase nos moldes do governo militar. De que é exemplo a imposição do general Pazuello como Ministro da Saúde, além da ocupação de milhares de cargos civis por militares.

A morte de M. M. dói hoje ainda mais pelo exemplo de elegância e de fidelidade de suas ações em confronto com a parceria na qual patina a política, em crescendo assustador de acirramento ideológico quase sempre desprezível quando não intimidadores.

Ademais, acabrunha a consciência brasileira ao se invocar o padrão intelectual da dupla Maciel e FHC com o rebaixamento da cultura ordenado pelo Capitão. Maciel, jurista, bom escritor e orador, elevou Olinda a patrimônio cultural da humanidade pelo enorme prestígio na UNESCO.

Eu fui testemunha de seus esforços nas celebrações dos 500 anos do Brasil em 2000. Estava a fazer seminário sobre cultura brasileira na Fundação Gulbenkian, quando recebi dele convite para almoços oficiais dentro das celebrações do descobrimento do Brasil nas cidades do Porto, de Coimbra e de Évora. Permitam-me evocar aqui o bom humor de Maciel, tão comum aos homens inteligentes, alinhado aos seus conhecimentos de cultura geral. Em roda de cafezinho pós-almoço, creio que em Évora, alguém se referiu à imutável magreza do anfitrião. Eu sempre soube do seu  apreço histórico pela Era de Ouro do Rádio nos anos 30. Logo lhe perguntei se ele sabia da referência ao Trio de Osso, um divertido “jeux de mots” ou o Trio de Ouro, célebre conjunto vocal de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira. O Trio de Osso era integ rado por três personagens magérrimos, a dupla de apresentadores Yara Salles e Héber de Bôscoli, além do compositor Lamartine Babo, grandíssimo gozador de costumes cariocas, o último se saiu com uma piada que logo ganharia a boca do Brasil – “Caros ouvintes, este Trio do Osso por nossa magreza comum só usa pijama listrado… mas com uma listra só! Encomendado sempre nas lojas Pernambucanas (patrocinadora do programa na rádio nacional).”

Maciel gargalhou com gosto, mas logo retrucaria bem humorado – “O meu pijama, acreditem ou não, graças ao processo de engorda imposto pela minha mulher Ana Maria, me torna mais gordinho. Agora já tem duas listras. Mas claro que também só compro nas Lojas Pernambucanas.”


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.