Redação

A desembargadora Simone Schreiber será a nova relatora no Tribunal Regional Federal da 2ª Região dos processos e recursos da operação “lava jato” no Rio de Janeiro. Ela assume a função após a aposentadoria do desembargador Abel Gomes.

Simone irá revisar as decisões do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Em setembro de 2020, ela votou para condenar Bretas à pena de censura por participar de eventos ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do então prefeito do Rio Marcelo Crivella (Republicanos).

Na ocasião, a desembargadora disse que diversos corregedores do TRF-2 alertaram Bretas sobre o risco de seu comportamento para a imagem da Justiça.

“Por cuidar da ‘lava jato’, que tem vários políticos envolvidos, a sua [de Bretas] responsabilidade é aumentada. Ele deve se conduzir de maneira reservada, se preservar, não permitir que políticos capitalizem para si resultados da ‘lava jato’. Não pode parecer que está dando apoio a segmentos políticos. Isso gera descrédito sobre a atuação do tribunal”, avaliou Simone.

Ela também opinou que julgadores não deveriam ter poder para decidir a destinação de valores recuperados em processos. Segundo a magistrada, isso permite uma aproximação indevida de juízes com políticos, como ocorreu com Bretas e militares, como Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, e políticos, como Crivella.

Preservação de direitos
Simone Schreiber votou, em diversas ocasiões, para anular decisões de Marcelo Bretas.

Em maio de 2021, com voto dela, a 1ª Turma Especializada do TRF-2 concedeu Habeas Corpus para garantir que Jair Veiga, conhecido como Coronel Veiga, tivesse acesso aos vídeos das audiências prévias (e das respectivas atas) dos delatores Marco Antônio Guimarães Duarte de Almeida, Marcus Vinícius Guimarães Duarte de Almeida e Gaetano Signorini.

Bretas havia negado ao réu o acesso aos documentos. Mas Simone seguiu o voto-vista do desembargador Ivan Athié para liberar os vídeos e atas ao Coronel Veiga. Os magistrados entenderam que não se admite a existência de fato secreto e inacessível a réu em ação penal. Afinal, a garantia constitucional da ampla defesa estabelece que o Estado deve garantir que o acusado e seus advogados tenham acesso a todos os documentos que lhe interessarem.

Ao revogar a prisão temporária do empresário Eike Batista em 2019, a desembargadora criticou a decisão que Bretas que impôs à medida.

Simone Schreiber afirmou que a prisão não pode ser usada como “ferramenta de constrangimento do investigado, para interferir no conteúdo de seu interrogatório policial”. “Estou ciente da divergência existente na doutrina e jurisprudência brasileiras acerca de possibilidade (ou não) da decretação da prisão temporária relacionada aos crimes de associação criminosa ou organização criminosa. Todavia, a questão é desinfluente para a apreciação da liminar no presente HC”, afirmou.

A defesa do empresário sustentou que a prisão temporária foi decretada por ser considerada imprescindível para a investigação, para que Eike fosse ouvido pela polícia sobre fatos supostamente ocorridos em 2013.

A desembargadora afirmou que a determinação de prisão temporária “com base em tais fundamentos viola a Constituição Federal, em especial quanto aos princípios da não incriminação e da presunção de inocência”.

“O Supremo Tribunal Federal pontuou que a condução coercitiva de investigados para seus próprios interrogatórios é medida que vulnera gravemente o direito constitucional ao silêncio. E mais: a condução coercitiva para interrogatórios representa uma violação ao princípio da liberdade de locomoção”, disse a magistrada.

Críticas à “lava jato”
Simone Schreiber disse ao Anuário da Justiça Federal 2020 que a “lava jato” inaugurou um novo patamar de relação de juiz com a imprensa. “O que a imprensa divulga não pode influenciar o desfecho do processo. O julgamento justo tem que se basear na verdade processual”.

A desembargadora conhece do assunto: é autora do livro A publicidade opressiva de julgamentos criminais, resultado de sua tese de doutorado, defendida em 2008 sob orientação do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Na obra, ela explica que a publicidade opressiva se caracteriza quando o noticiário sobre um processo fica tão ostensivo que a situação dos réus ou investigados fica prejudicada. A campanha midiática torna-se tão agressiva que um julgamento imparcial se torna impossível, diz.

A desembargadora declarou que, na operação “lava jato”, o ex-juiz federal Sergio Moro claramente recorreu à imprensa e à opinião pública. “Numa palestra de 2016, em São Paulo, ele disse o seguinte: ‘Eu me disponho a ir até o final nos meus casos, mas esses casos envolvendo graves crimes de corrupção e figuras públicas poderosas só podem ir adiante se contarem com o apoio da opinião pública e da sociedade civil organizada. Esse é o papel dos senhores’. Ao mesmo tempo em que ele diz que julgará de acordo com a lei, conclama a sociedade a apoiá-lo. E é evidente que o papel da imprensa na condução e no desfecho desses processos foi fundamental em vários momentos”, afirmou.

Para Simone, a exposição de pessoas também foi uma forma de pressioná-las a fechar acordos. “Não só a prisão, mas a divulgação de informações privadas, vazamentos de conversas telefônicas constrangedoras e a exposição são bem importantes para que ela se sinta compelida a assinar o acordo de colaboração. E mesmo que a denúncia seja rejeitada ou a pessoa seja absolvida, já se criou um estigma”.

A desembargadora foi além e criticou o status que o Ministério Público alcançou. “O MP conseguiu um espaço de poder de investigação que não está na Constituição, mas eles foram fazendo e, em determinado momento, depois que já tinham feito investigações importantes, mesmo sem previsão constitucional ou legal, foram autorizados. Então é uma atuação institucional de obter prestígio junto à sociedade”.

“É engraçado: os juízes que prendem mais sempre partem da premissa de que o juiz mais rigoroso precisa de uma dose extra de coragem. E agora, com essa onda de punitivismo apoiada pela mídia que apareceu com a ‘lava jato’, o juiz que manda soltar também precisa de uma dose extra de coragem. O que vejo, na verdade, é uma coisa muito ruim, que é o MP acossar a imprensa para atacar juiz que concede liberdade, como aconteceu. E isso fica sendo insuflado pela imprensa, o que é difícil”, disse Simone Schereiber. “Até que ponto essas manifestações são legítimas e até que ponto são indevidas por impedirem o Judiciário e as instituições de funcionar como deveriam?”.

Em entrevista à ConJur em 2019, a magistrada afirmou que “é bem complicado” juízes comentarem casos que estão em andamento. Isso porque passa-se a impressão de que eles já estão dispostos a julgar de uma determinada maneira. E citou um exemplo de Marcelo Bretas.

“Tem uma entrevista do Bretas ao Valor Econômico em que ele fala sobre o Sérgio Cabral, que eu até separei para falar em sala de aula: ‘Já estamos investigando transporte, saúde, obras, alimentação e joias. Mas nessa questão das joias existe uma dúvida ainda, eu ainda não decidi a respeito. Se a joia era propina ou ostentação ou se era lavagem de dinheiro. Isso eu tenho que ver com calma’. Com todo respeito ao Bretas, ele se manifestou já dizendo que o Cabral é corrupto. Os juízes passaram a se manifestar sobre casos que estão julgando na imprensa. Não é adequado”, opinou.

Simone ainda disse que, no caso do ex-presidente Lula, há elementos de publicidade opressiva. “Teve a transmissão do Power Point no Jornal Nacional, uma pressão muito forte da grande mídia. E tem até hoje [meio de 2019] uma comoção em torno da soltura dele [o ex-presidente foi solto em novembro daquele ano]”.

A desembargadora do TRF-2 também é favorável ao juiz das garantias, criado pela lei “anticrime”, mas suspenso por liminar do presidente do STF, Luiz Fux.

Para Simone Schreiber, o instituto aperfeiçoa o sistema processual penal brasileiro, na medida em que concretiza o princípio acusatório e reforça a regra de que a prova relevante na formação da convicção do juiz deve ser produzida em contraditório judicial.


Fonte: ConJur