Por João Batista Damasceno

A facilitação do acesso à Justiça não pode servir aos abusos de grupos organizados para importunar eventual desafeto.

Depois de ouvir a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), juristas, jornalistas e parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal o deputado Paulo Ramos propôs um projeto de lei tratando de ‘demanda opressiva’. Demanda opressiva é fenômeno pelo qual indivíduos pertencentes a grupo social específico ajuízam simultaneamente ações diversas contra desafeto comum, visando a lhe causar mal-estar.

Para a busca da democratização do acesso ao Judiciário foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis, onde ações de até 20 salários mínimos não exigem advogado. Mas o que foi criado para facilitar o acesso à Justiça também serve para favorecer o acesso indevido e os abusos de direito. O que facilita a vida dos autores das ações pode ser o martírio de um réu, quando aqueles combinam propô-las em locais distintos para perturbar o sossego de quem é demandado.

Nos Juizados Especiais Cíveis o réu deve comparecer pessoalmente para as audiências. A ausência causa a revelia e produz a veracidade dos fatos imputados contra o réu. A presença pessoal é necessária para evitar que sejam os fatos considerados verdadeiros, resultando condenação. Em sendo propostas ações em lugares distintos o réu não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo ou quando em dias diversos tem que se deslocar por comarcas distintas, numa constante itinerância.

O PL 90/2021, proposto pelo deputado Paulo Ramos, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e, por falta de recurso ao Plenário, seguirá para o Senado Federal. Os que promoverem ‘demanda opressiva’ poderão ser responsabilizados. Isto porque o abuso de direito é ilícito.

Todos têm direito de ação e os juízes têm o dever de dizer o direito. Ação é poder que tem cada pessoa de exigir de um juiz lhe resolva uma demanda e nenhuma lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

O exercício regular de direito é causa de exclusão de ilicitude, até mesmo de fato previsto como crime. Mas o abuso de direito caracteriza conduta contrária à ordem jurídica e à eticidade que deve nortear a vida social.

Desembargadores Siro Darlan e João Batista Damasceno, membros do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre

Embora todos possam propor ação judicial, seu exercício deve ser feito adequadamente. O demandismo opressivo caracteriza ato ilícito, por ser abuso de direito. Quem se excede no exercício de um direito e desatende ao seu fim econômico, social ou a boa-fé comete ato ilícito. No julgamento do REsp 1.817.845/MS, pelo STJ, ficou reconhecido como ‘assédio judicial’ a propositura de várias ações ao longo de 39 anos por uma mesma pessoa contra outra.

O ‘assédio judicial’ pode ocorrer entre duas pessoas. Diversamente o ‘demandismo opressor’ ou ‘acionamento opressivo’ ocorre quando várias pessoas demandam contra um desafeto comum. As ‘demandas opressivas’ pressupõem a identidade, de qualquer espécie, entre autores que as promovem para causar dano ou mal-estar a outrem. O assédio judicial pode ser promovido por pessoa individualizada contra outra, comuns em varas de família e conflitos de vizinhança, mas é gênero do qual a ‘demanda opressiva’ é espécie.

Dentre as soluções propostas pelo deputado Paulo Ramos, para evitar as demandas opressivas, estão a reunião de todas as ações para julgamento por um único juiz e a indenização à vítima do ilícito. A facilitação do acesso à Justiça não pode servir aos abusos de grupos organizados para importunar eventual desafeto. Um parlamentar que seja demandado em municípios ou estados distintos por grupos contrários à sua orientação ideológica pode ter que cessar suas atividades para se dedicar às necessárias defesas.

Igualmente, jornalistas ou artistas, podem ficar impedidos do exercício da própria liberdade de comunicação ou expressão. O deputado Paulo Ramos foi deputado constituinte e ganhou o título de Constituinte Nota 10 dado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Depois de ajudar a elaborar a Constituição de 1988, o deputado Paulo Ramos ajuda a garantir os direitos inscritos na Constituição Cidadã.

JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro efetivo da ABI. (Publicado inicialmente em O Dia)


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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.