Redação

A demora na criação do Aliança Pelo Brasil, partido que Jair Bolsonaro pretende fundar, já traz consequências práticas para a futura legenda do presidente. Com a previsão de a sigla sair do papel apenas no final do ano que vem, quase dois anos após o planejamento inicial, deputados bolsonaristas que embarcariam no partido já desistiram do projeto. Neste domingo, Bolsonaro afirmou que o partido sairá do papel a tempo da eleição de 2022, mas que “tem uma alternativa caso dê errado”.

Os deputados Luiz Lima (RJ) e Coronel Chrisóstomo (RO) decidiram permanecer no PSL, enquanto Otoni de Paula, festejado pela militância bolsonarista no evento de lançamento do Aliança, em novembro passado, acertou a ida para o PTB, de Roberto Jefferson.

PSL FAZ MANOBRA – A debandada pode ser ainda maior: o PSL planeja uma reunião com todos os deputados e, diante da reaproximação com o Palácio do Planalto, tentará convencer mais bolsonaristas a não se desfiliarem. No grupo de WhatsApp do Aliança, 90% dos políticos que atuam para fundar a legenda estão, hoje, no PSL.

A demora para a criação da legenda, mesmo com o apoio significativo que Bolsonaro tem de boa parcela do eleitorado, é vista no meio político como um “fracasso” do presidente como articulador político. Ao deixar o grupo do Aliança no WhatsApp, Luiz Lima afirmou que permanece aliado do presidente, mas que sua decisão acontece porque a criação está “muito longe de ser resolvida”.

Para os políticos, o fato de a legenda não ter sido criada a tempo de disputar as eleições de 2020 e o horizonte agora ficar para o final de 2021, como admitem organizadores do projeto, dificulta um embarque, especialmente porque deputados geralmente usam as eleições municipais para formar uma base de prefeitos e vereadores.

CAMPANHA NAS RUAS –  “Nós precisamos resolver as nossas vidas. Eu tenho atuação local, na rua, nos pequenos municípios. A eleição municipal chegou, preciso botar nossos candidatos nas ruas, com estrutura, com apoio. Tenho muita gente boa, gente séria, que precisa de mim”, escreveu Luiz Lima.

“Flávio e Carlos Bolsonaro já se filiaram ao Republicanos. Todos os dias leio notícias do presidente conversando com outros partidos. Eu preciso cuidar de mim e das pessoas que estão dependendo da minha decisão”, concluiu Lima, ao deixar o grupo de WhatsApp do Aliança.

Já Otoni de Paula, rompido com o PSC por conta das críticas ao governador Wilson Witzel, levou em consideração a promessa feita por Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, de ter o apoio da legenda para disputar o governo do Rio ou o Senado em 2022. Jefferson tem feito o mesmo aceno a outros bolsonaristas.

GUERRA E PAZ – No Twitter, Otoni reclamou recentemente da postura moderada de Bolsonaro, que reatou pontes com Judiciário e Legislativo: “Estou tendo a sensação de que combinaram algo e não me avisaram. Fui chamado para uma guerra pela minha pátria, mas estou tendo a sensação de que há um acordo de paz com o inimigo, que eu não participei e não participaria”.

Coronel Chrisóstomo, por sua vez, ressaltou a boa relação que tem com políticos do PSL para desembarcar do Aliança. “Sempre busquei a conciliação. Nunca fui contra o PSL ou desrespeitei a legenda. O partido tem buscado essa possibilidade de um maior consenso, para dar tranquilidade aos parlamentares. Ficar no PSL não significa ser contra o governo Bolsonaro, muito pelo contrário” — afirma.

Políticos que embarcaram no projeto do Aliança reclamaram que, quando a iniciativa foi lançada, em novembro, a oficialização do partido foi prometida pelos advogados da legenda para um prazo de três meses.

MUITAS EXIGÊNCIAS – Para criação do Aliança é necessário apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 492 mil assinaturas certificadas por cartórios eleitorais. Até o momento, o sistema do TSE aponta apenas 15.828. Os organizadores dizem ter chegado a 140 mil assinaturas, mas relatam ter dificuldade em fazer a certificação porque os cartórios estão fechados devido à pandemia de coronavírus.

Karina Kufa, uma das advogadas do Aliança, alega que a rejeição, pelo TSE, da possibilidade de recebimento de assinaturas virtuais atrapalhou os planos.

— Com a rejeição do TSE, a coleta teve que ser física. E essa demora na coleta de assinaturas não é uma parte jurídica, mas uma parte política. Eu não tenho seguidores, militância ou voto para conseguir fichas. Esse trabalho foi desenvolvido pelos políticos de forma descentralizada, em cada estado. Movimentos sociais também ficaram encarregados de constituir os voluntários.

CULPA DA PANDEMIA – A advogada afirma que o trabalho estava sendo “muito bem feito”, mas a pandemia o paralisou:

—Não tem como, mesmo com pressão de deputados que querem a legenda a qualquer custo, priorizar a criação do partido em detrimento da saúde. Sobre a crítica à capacidade de articulação do Bolsonaro: ele seria um péssimo articulador se determinasse a coleta de assinaturas no meio da pandemia. A decisão do partido foi esperar. Enquanto isso, estamos fazendo campanha online para pessoas fazerem as fichas e, quando for permitido, enviarem pelo correio.

Ao falar com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, no domingo, Bolsonaro disse que o partido vai sair, mas que tem uma “alternativa”, sem dizer qual.

— Estamos preparando (o Aliança) para 2022. Tudo tranquilo, vai sair o partido. Lógico que sempre tem uma alternativa caso dê errado, mas vai ser bem diferente de 2018. Pode acreditar na democracia, que nós vamos mudar o Brasil com as armas da democracia — disse o presidente.

FUNDO PARTIDÁRIO – O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que migrará para o Aliança, afirmou que a proximidade das eleições municipais tem feito alguns políticos desistirem da nova legenda para ter acesso ao fundo partidário em 2020.

— Penso, porém, que quem tem vínculo e é associado ao Bolsonaro não precisa se preocupar com o fundo para ter votos ou transferir votos para os candidatos que apoia.


Fonte: O Globo