Por Kakay –
“Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Só uso as palavras para compor meus silêncios.”
–Manoel de Barros
Quando você está numa relação tóxica e consegue, ainda que com dor, ter a maturidade de fazer desse relacionamento uma união saudável e respeitosa, tem que ter a certeza de que, se voltar a remexer nas feridas sempre que bater uma insegurança natural, a toxidade voltará a dominar. Assim tem agido as viúvas de Moro, Deltan e Bolsonaro.
É necessário ter uma clareza: o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), salvou a democracia no Brasil e conseguiu manter a estabilidade institucional enfrentando a barbárie do fascismo. Com coragem e determinação, afastou a política de ódio e violência que fincou as garras no coração do povo brasileiro. E os derrotados insistem em trazer para o debate que o mesmo Judiciário, há pouco tempo, fazia ouvidos moucos e consolidava os abusos agora confrontados. Precisamos apoiar as decisões que prestigiam a Constituição e que fazem voltar ao esgoto.
Escrevo antes da decisão final do TSE sobre a inelegibilidade do Bolsonaro, mas amparado no voto técnico e bem fundamentado do ministro Benedito Gonçalves, relator do processo. Um voto sem nenhum rancor, apenas aplicando a lei e a Constituição aos fatos incontestes e graves. O governo Bolsonaro se julgava acima de qualquer regra constitucional e, com o apoio vergonhoso de boa parte do Congresso Nacional, saqueou o país e tentou dar um golpe para instalar uma ditadura militar. É necessário repetir, à exaustão, que foi o Judiciário que socorreu a democracia.
Tornar um político inelegível é de uma profunda seriedade e deve ser sempre uma medida excepcional. O normal e salutar é que os eleitores possam, livre e soberanamente, decidir seu destino e quem deve dirigir o país. Mas se o político, qualquer que seja, usa o poder para golpear a estabilidade democrática, se busca por meio da força garrotear as liberdades e impor um regime de trevas e de terror, é fundamental que, dentro das regras constitucionais, a Justiça se faça ouvir. Mais grave do que cassar os direitos políticos de um fascista golpista é permitir que ele casse os direitos de todo o povo brasileiro. Vamos nos lembrar de Bakunin:
“Não há nada tão estúpido quanto a inteligência orgulhosa de si mesma”.
Por isso, tornar inelegível alguém que buscou, pela força, atacar o sistema eleitoral e a própria democracia é uma medida adequada e necessária. Embora esse seja só o 1º passo. Numa sociedade que se pretenda madura é preciso que as atitudes dos poderosos tenham a resposta constitucional. A responsabilização, de quem quer que seja, pelos atos criminosos é um imperativo civilizatório.
Há uma crítica injustificada de que estejamos todos dando um valor ao “conjunto da obra”, quando tratamos do caso Bolsonaro. Não há como ser diferente. Já escrevi, várias vezes, que ele é um serial killer. Jactava-se das inúmeras ações criminosas por se sentir acima da lei. Só se fala em “conjunto da obra” exatamente pelas inúmeras condutas criminosas. O estranho não é valorar o conjunto de ações perpetradas contra a lei, contra a civilização e contra a Constituição. O que causa estranhamento é um ex-presidente da República ter uma conduta que se adeque a esse rol, quase infindável, de crimes e de barbárie.
O país espera que esse bando seja responsabilizado criminalmente, até para que a vida volte à normalidade. Infelizmente, o “conjunto da obra” é um espetáculo dantesco e o Brasil merece uma pacificação com a condenação de quem ousou contra o Estado democrático de direito. Nós merecemos. Sem nos esquecermos de Florbela Espanca:
“A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente”.
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.
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