Redação –
Em reunião na manhã desta terça-feira (30), os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, entregaram os cargos ao recém-nomeado ministro da Defesa, Walter Braga Netto, como divulgou oficialmente há pouco o Ministério da Defesa. O fato não tem precedentes na história recente do país.
Durante a atual ordem constitucional, inaugurada pela Carta de 1988, nenhum presidente da República ousou interferir nas Forças Armadas da forma que faz agora Bolsonaro. Ele pretendia substituir apenas o comandante do Exército, Edson Leal Pujol, de quem cobrava uma atitude de alinhamento político com o governo. Mas os comandantes da Marinha, Ilques Barbosa Júnior, e da Aeronáutica, Antônio Carlos Moretti Bermudez, se solidarizaram com Pujol e também optaram por sair.
Os nomes dos substitutos ainda não foram anunciados. Escolhê-los não é tarefa simples. Primeiro, porque as simpatias de Bolsonaro não coincidem com o critério de antiguidade, que pesa muito no meio militar. Segundo, porque o Alto Comando do Exército – integrado pelos 17 generais da ativa que ostentam quatro estrelas, chamados no jargão militar de “generais de exército” – está unido no pensamento de que as Forças Armadas devem atuar como “instituições de Estado” e não podem se imiscuir em questões de governo.
Foi exatamente a defesa de uma atuação institucional minimamente isenta das paixões da política que custou a cabeça do ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo e Silva, demitido de forma humilhante por se recusar a exonerar Pujol.
Vários atritos marcam o relacionamento entre Bolsonaro e Pujol. Sempre discreto, o general foi ator-chave no processo que isolou o alto comando militar de diversas iniciativas adotadas por Bolsonaro e por seus seguidores mais radicais na esperança de obter apoio na caserna para atos francamente inconstitucionais. Ignorou a série de manifestações realizadas ano passado com o objetivo de sensibilizar a cúpula militar para uma agenda de ruptura que incluía o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Recusou-se, mais recentemente, a apoiar o plano do presidente da República de contemplar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello com uma quarta estrela. Para isso, seria necessário mudar a regra que estabelece o posto de general de divisão (três estrelas) como o fim da linha promocional para oficiais de intendência, como é o caso de Pazzuello.
Também ficou irritado pela recusa, tanto de Pujol como dos demais chefes militares, de se manifestar contra a decisão do STF que devolveu a Lula o direito de ser candidato. O fato foi mal recebido nas Forças Armadas, que nem por isso viram razão para se pronunciarem publicamente a respeito.
Mas o ponto mais crítico na ruptura entre ambos, que levou à crise militar que neste momento põe a capital federal de sobressalto, é a insistência de Bolsonaro em ter ajuda militar para impedir lockdowns e outras medidas restritivas decretadas por governadores e prefeitos para enfrentar a pandemia de covid-19.
Para Bolsonaro, tais medidas são desastrosas sob o aspecto econômico e podem inviabilizar o projeto que o mobiliza 24 horas por dias: reeleger-se presidente ano que vem. Acuado por crescentes manifestações contra a caótica gestão da pandemia, vindas de governadores, prefeitos, empresários, líderes políticos, governantes estrangeiros e pela comunidade científica, Jair Bolsonaro repete o Jair Bolsonaro de sempre: dobra a aposta na crise e no caos.
Fonte: Congresso em Foco
MAZOLA
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“A hora do vice-presidente
A gravidade da situação atual não admite outra solução para o país
27.mai.2020 às 23h15
Pedro Dallari
O vice-presidente não é vice-presidente do presidente. É vice-presidente da República. É o que estabelece a Constituição brasileira. Sua eleição é simultânea à do presidente e ambos tomam posse perante o Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição (artigos 77 e 78).
O Poder Executivo é exercido pelo presidente, auxiliado pelos ministros de Estado (artigo 76). Embora sejam eleitos de forma conjunta, em uma mesma chapa, o vice-presidente não é subordinado ao presidente, diferentemente do que ocorre em alguns países em que o presidente nomeia o vice-presidente.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em Brasília – Evaristo Sá – 20.set.19/AFP
A Constituição apenas prevê a possibilidade de o presidente convocar o vice-presidente para auxiliá-lo no desempenho de missões especiais, reservando ao vice-presidente o exercício de atribuições que lhe forem expressamente conferidas por lei complementar (artigo 79, parágrafo único).
Cabe ao vice-presidente substituir o presidente no caso de impedimento ou de sucedê-lo no caso de o cargo ficar vago (artigo 79). E a incapacidade evidente de o atual presidente desempenhar adequadamente as funções inerentes à Presidência impõe a necessidade de sua troca imediata pelo vice-presidente.
A permanência de Jair Bolsonaro na Presidência representa um grave risco para a estabilidade do país. No contexto dramático da pandemia causada pelo novo coronavírus, tem sabotado as orientações de saúde pública de seu próprio governo, contribuindo significativamente para o assustador aumento do número de mortos pela Covid-19.
Seus ataques sistemáticos às instituições têm fomentado violência política, de que são prova as agressões físicas perpetradas por seus apoiadores a agentes de saúde, jornalistas e fiscais do Ibama, bem como a extrema virulência vocalizada por suas redes de apoio contra juízes, Legislativo, imprensa e todo e qualquer ente que possa ser visto como refratário à pregação e às ações antidemocráticas que patrocina. São condutas que direcionam para o caos social, risco ampliado pelo efeito da inviabilização de medidas de planejamento que minimizem o terrível impacto já sentido na economia e nas condições de vida da população, notadamente os mais vulneráveis.
A ascensão do vice-presidente à Presidência terá que se dar pelas vias constitucionalmente estabelecidas para o afastamento do presidente, com a instauração de processo por crime de responsabilidade (impeachment) ou por infração penal comum (artigo 86). Outra hipótese é a renúncia do presidente.
Hoje, a sustentação política orgânica de Bolsonaro reside fundamentalmente nas lideranças militares que servem ao governo. Essas lideranças, ao cessarem a continuidade de seu respaldo, podem ter papel decisivo para persuadi-lo a se afastar.
Em que pese minha discordância pública com a forma como as Forças Armadas lidam com seu passado, pude atestar, nos sucessivos contatos que mantive com militares no período em que coordenei a Comissão Nacional da Verdade, o compromisso com a ordem constitucional e com atuação voltada à excelência profissional. Sobrevindo o caos social, as Forças Armadas sofrerão as consequências da associação com Bolsonaro, o que não é bom para elas nem para o Brasil.
Tem-se alegado que o vice-presidente, Hamilton Mourão, não deveria ser conduzido à Presidência, pois, também de formação militar, foi eleito com Bolsonaro, com quem compartilhou discurso eleitoral marcado por extremo conservadorismo e desapreço à democracia. Todavia, é ele o vice-presidente, e a ele a Constituição confere a responsabilidade de ocupar o lugar do presidente. Em seu favor, cabe reconhecer que, como vice-presidente, nas poucas oportunidades em que teve atuação pública, pautou-se pela prudência e pela capacidade de mediação, sendo exemplo a eficácia de sua resistência a qualquer aventura bélica em face da crise venezuelana.
O que se deve desejar é que esse padrão seja seguido quando for alçado à Presidência da República.
A gravidade da situação atual não admite outra solução. A cada dia, a demora irá ocasionar mais mortes e mais sofrimento para a população brasileira.
Pedro Dallari
Professor titular de direito internacional do Instituto de Relações Internacionais da USP; foi relator e coordenador da Comissão Nacional da Verdade” > https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/05/a-hora-do-vice-presidente.shtml